Brioches da padaria de Bolsonaro no Brasil dos famintos
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Brioches da padaria de Bolsonaro no Brasil dos famintos
Propagandistas da Revolução Francesa disseminaram versão de que a rainha Maria Antonieta, ao ouvir que o povo não tinha pão, sugeriu que comessem brioches. Bolsonaro fez pior
O presidente Jair Bolsonaro (PL) proferiu na semana passada uma das frases que talvez melhor simbolizem o governo dele. A concorrência é vasta. Quando a era Bolsonaro terminar, analistas irão dispor de um acervo sem igual de frases como nunca se viu proferidas por alguém com responsabilidades públicas. A quantidade de pessoas que Bolsonaro agrediu, a quantidade de direitos que vilipendiou, as instituições que ofendeu, os países que desrespeitou, as crises que provocou, as mentiras que disse. Muitas vezes, as palavras dos políticos são um falseamento. Com Bolsonaro, elas são reveladoras da personalidade, dos preconceitos, da violência. Vá lá que seja, do pensamento dele. Pois, bem, a escolha é difícil e a concorrência é grande, mas, na semana, ele talvez tenha dito a mais absurda entre tantas frases absurdas.
“Se eu falar para você ‘não tem fome no Brasil’, como tem gente da imprensa me assistindo aqui, amanhã o pessoal me esculacha na imprensa. Eles não sabem a realidade se existe gente faminta no Brasil ou não. O que a gente pode dizer, se for em qualquer padaria aqui não tem gente pedindo para comprar um pão para ele. Eu falando isso estou perdendo votos, mas a verdade você não pode deixar de dizer e temos um programa para isso”, disse o presidente na sexta-feira, ao participar do Ironberg, um podcast sobre fisiculturismo.
No mesmo dia, o candidato à reeleição participou do Pânico, da Jovem Pan, e falou: “Alguém já viu alguém pedindo um pão na porta, ali, no caixa da padaria? Você não vê, pô.”
Antes do debate na TV Bandeirantes, Bolsonaro foi questionado sobre pessoas passando fome e respondeu: “Eu nunca vi”. Ele ainda teve a pachorra de perguntar à jornalista: “Você já viu?”. Quando ela disse que sim, ele indagou se ela tinha dado um pão.
Ontem, Bolsonaro voltou ao assunto, mas agora já admitindo que a fome existe. Porém, falou que não são tantos assim. “Fala-se em fome no Brasil. Tem fome? Tem fome, mas não na proporção que dizem aí — '33 milhões'”. Esse número é da rede Penssan, que reúne pesquisadores de universidades e instituições de várias partes do Brasil, com reconhecimento das Nações Unidas.
Vou sublinhar o que disse Bolsonaro: “Se for em qualquer padaria aqui não tem gente pedindo para comprar um pão para ele.”
Que País é esse em que vive o presidente? Que encastelamento é esse que faz ignorar a realidade mais elementar? Tanta ignorância da realidade do povo que deveria governar é uma ofensa.
Bolsonaro tem apoiadores que defendem tudo que ele faz ou diz, os piores absurdos que sejam. São capazes de defender e também ficar a favor quando ele recua, desfaz o ato, faz o oposto. Mas, será que há algum apoiador de Bolsonaro que endossa o que ele disse duas vezes no mesmo dia? Não foi ato falho, ele repetiu. Será que os apoiadores de Bolsonaro não veem gente pedindo comida na porta das padarias, perto dos restaurantes, nos sinais, em todo lugar? São capazes de negar esse mundo?
Bolsonaro, para se corrigir, reconhece a fome e diz: “Tem fome, mas não na proporção que dizem aí”. Ele acha que é pouco? Para quem acha que nem existia, a pergunta é retórica.
Foi atribuída a Maria Antonieta, rainha da França, frase segundo a qual, ao ouvir que o povo não tinha pão para comer, ela perguntou: "Por que não comem brioches?" Provavelmente a frase foi inventada como parte da campanha difamatória contra ela na Revolução Francesa. O absurdo de Bolsonaro foi dito e repetido para todo mundo ouvir e a história registrar.
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