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Bolsonaro desrespeita a democracia de novo
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Bolsonaro desrespeita a democracia de novo

O presidente se comporta como se fosse dono dos eleitores, como se os apoiadores fossem um rebanho a obedecê-lo. Não é assim que funciona a democracia
Tipo Opinião
Jair Bolsonaro, ex-presidente (Foto: EVARISTO SA/AFP)
Foto: EVARISTO SA/AFP Jair Bolsonaro, ex-presidente

O presidente Jair Bolsonaro (PL) está 16 pontos atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na pesquisa Ipec divulgada ontem. Pelos números, haveria hoje possibilidade de Lula ser eleito presidente no primeiro turno. Porém, o presidente da República acha que quem vai vencer no primeiro turno é ele. Até aí nada de anormal. O manual político recomenda demonstrar otimismo mesmo nas situações mais desesperadoras. Porém, Bolsonaro vai além da fantasia autoinduzida. Ele afirmou: “Pelas minhas andanças pelo Brasil, em especial nos últimos dois meses, se nós não ganharmos no primeiro turno, algo de anormal aconteceu dentro do TSE”.

A fala é uma afronta à democracia. Vamos supor que Bolsonaro esteja correto quanto à aferição empírica de apoio nas ruas. Imaginemos que ele hoje tenha voto para vencer no primeiro turno. Ainda assim, não há até agora nenhum voto digitado nas urnas. Até 2 de outubro, o eleitor tem todo direito de mudar de ideia e votar em quem quiser, eleger quem quiser. Mesmo que Bolsonaro ache que hoje tem apoio, ele não é dono desse voto nem desse eleitor. Ele não tem direito de dizer que, se o resultado for diferente, é porque houve alguma forma de manipulação ou fraude. O presidente se comporta como se fosse dono dos eleitores, como se os apoiadores fossem um rebanho a obedecê-lo. Não é assim que funciona a democracia.

Na recente entrevista ao Jornal Nacional, Bolsonaro disse que respeitará o resultado das eleições se elas forem “limpas e transparentes”. O que me perguntava era se ele diria se considerará o processo limpo e transparente antes ou depois de conhecer o resultado. Indagava-me se ele só consideraria o processo legítimo se saísse vitorioso. Ele já respondeu: eleição limpa e transparente, para ele, é aquela que ele ganha. Se perde, é suja e opaca.

Em 2018, antes da eleição, Bolsonaro falava coisa parecida. Afirmava que existia um plano do PT para fraudar o pleito e disse: “Eu não aceito resultado diferente da minha eleição”. É postura de um projetinho mal acabado de autocrata.

Não é assim que se faz democracia. Um rito muito importante é o reconhecimento da eleição pelo derrotado. Não é mera cortesia. Trata-se de referendar um processo e uma forma de escolha pela vontade popular que é maior que qualquer dos envolvidos. Nos Estados Unidos, o ídolo de Bolsonaro, Donald Trump, não cumprimentou Joe Biden. Se perder, Bolsonaro não cumprimentará o eleito.
Porque ele não reconhece e não respeita a democracia. Ele se serve dela para extrair vitórias e aí se encerra. Se perde, vai contestar. Mais que isso, tentará tumultuar.

A democracia pressupõe que os participantes de um processo eleitoral reconheçam aquele instrumento de escolha como apto a escolher o governante — seja ele ou algum dos adversários.
Entrar numa eleição com a condição única de ser vitorioso é autoritário, imaturo, pueril e birrento.

Parâmetro

O parâmetro que Bolsonaro usa para ter certeza da vitória, e em primeiro turno, são as andanças pelo Brasil. Francamente, não dá para levar a sério o cara querer projetar resultado eleitoral em função do apoio que percebe nas ruas. O presidente, claro, tem muitos apoiadores. Mas, para quem tem acima de 30% das intenções de voto — até bem mais que isso em alguns casos — não é nada incomum reunir multidões. Isso não demonstra, de jeito nenhum, que ele tem maioria dos 156 milhões de eleitores.

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