Forças Armadas não podem dar golpe mesmo que queiram
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Um dos traços dos anos recentes de obscurantismo no Brasil é a hostilidade contra professores de história. Contra docentes de outras disciplinas também, mas os de história em particular. Talvez isso explique a desinformação do pessoal que está até hoje acampado em frente a quartéis à espera de um golpe militar. O Brasil teve vários golpes na história brasileira, com decisiva participação dos braços armados. Porém, não bastam as Forças Armadas para dar um golpe. Não era assim no passado e muito menos é hoje. O que os participantes dos protestos esperam? Que os tanques saiam às ruas e deponham um governo que nem tomou posse? Acreditam em Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e acham que basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo Tribunal Federal (STF)?
Se voltarmos a 1964 — como, aliás, desejam os manifestantes golpistas — a derrubada do governo João Goulart exigiu mais que armas. Foram anos para que fosse criado o cenário propício. E ele envolvia apoio não só das Forças Armadas, mas também do Congresso Nacional, que buscou dar ares de legalidade; do Poder Judiciário, omisso; do empresariado; da cúpula Igreja Católica; da imprensa; de muitos setores da classe média. E, em particular, apoio dos Estados Unidos, que foram absolutamente determinantes na própria formulação do golpismo. Tal cenário não existe hoje.
O Congresso e o Judiciário não respaldam um golpe. No campo político, até o vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), cobrou que os manifestantes reconheçam o resultado eleitoral. A parte do empresariado favorável a impedir a posse do presidente eleito é uma fração radicalizada. A Igreja Católica não respalda o golpismo. Só quem faz isso é a ala mais extremista dos evangélicos. A imprensa não embarca nesta, salvo os veículos e influenciadores bolsonaristas. No plano internacional, então, esse é o cenário mais adverso para o golpismo.
A sustentação de um eventual novo regime, além do mais, é bem mais complexa hoje. Em 1964, foi necessário censurar os jornais — aqueles mesmos que apoiaram o golpe. Mandatos foram cassados, até de políticos que, no primeiro momento, foram favoráveis à deposição de Jango. Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram cassados. Não bastou a força das armas no começo. Foi necessário criar as condições para sustentar o regime por 20 anos.
Ocorre que, em particular em relação aos veículos de comunicação, hoje é muito mais complicado controlar e censurar a informação numa era de redes sociais, mundo hiperconectado e aplicativos de mensagem. Isso quer dizer que a posse de Lula está assegurada? É muito, muito improvável qualquer coisa diferente disso. Mas, a considerar a história brasileira, não convém descartar que haja algum fato novo capaz de tumultuar a frágil ordem democrática. Porém, para isso, não bastaram as armas. Seria necessário criar um ambiente que hoje não existe, com muito mais atores políticos, sociais e econômicos. A ação messiânica esperada pelos golpistas não tem como nascer e se sustentar nos quartéis, mesmo que as Forças Armadas queiram muito isso.
Lula e o orçamento secreto
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bateu duro no orçamento secreto, mas agora descobre que não tem condições políticas de mexer nele. A equipe do futuro governo torce para o STF considerar o instrumento inconstitucional, ou ao menos impor limites. Fazer por meios jurídicos o que o presidente eleito não consegue pela política. O Supremo entrou em várias divididas, a conferir o que fará nesta.
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