Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Foto: Reprodução/Instagram
PADRE Julio Lancelotti, conhecido por ajudar pessoas em situação de rua, virou alvo do ódio da extrema direita
A religião é hoje instrumento poderoso na política brasileira. Ferramenta para obter apoios, votos, espaços. E ajuda muita gente a ganhar dinheiro. A fé estar junto do poder é algo tão antigo quanto a própria crença na transcendência, mas essa mistura perigosa teve redução gradual desde o fim do século XIX, com a ideia de que o Estado laico é meio para proteger a própria liberdade religiosa e resguardar a fé da influência dos políticos. Porém, a exploração da crença das pessoas por quem busca se fortalecer nos espaços públicos esteve aí desde sempre e cresceu de uns oito anos para cá. Não se engane: político não faz algo pela religião, ele se aproveita, explora em benefício próprio. Quando ouvir político falar muito em Deus, não é para exaltar, mas para extrair proveito disso.
Na Câmara Municipal de São Paulo, foi protocolado requerimento de Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar entidades que fazem trabalho social com pessoas em situação de rua no centro de São Paulo, inclusive a Pastoral do Povo de Rua, coordenada pelo padre Júlio Lancellotti.
O papa Francisco é atacado virulentamente por autorizar a bênção a casais do mesmo sexo, aos divorciados e aos que vivem em união sem serem casados. A bênção permitida é repleta de ressalvas. O Vaticano salientou que a bênção não tem caráter litúrgica, o rito não é nem pode dar impressão de casamento, nem significa aprovação das uniões pela Igreja. Mas foi o bastante para o pontífice ser chamado até de “servo de Satanás” por um arcebispo.
No dia de Natal, o papa postou nas redes sociais mensagem contra as guerra, todas elas, e acrescentou: “Mas, para dizer «não» à guerra, é preciso dizer «não» às armas”. O perfil em português do papa no ex-Twitter foi tomado de críticas. “Talvez esteja na hora do senhor deixar a cadeira…”. “O cristianismo é pacificador mas não é pacifista papa demagogo”. “Espero que ardas no inferno falso católico”. “As armas servem para impor a paz, inclusive contra o maldito comunismo abortista que Vossa Santidade tanto defende”. “Venha ao Brasil para ver de perto a situação do povo após a volta do descondenado Lula”. “Argentino Vigarista”. “Demagogo comunista, cavalo de tróia da igreja católica”, e por aí vai.
Posições que não são propriamente novas da Igreja, pela paz e contra as armas, são recebidas como ofensas à fé.
Alicerces da fé
O cristianismo politizado e ideologizado no Brasil de hoje é armamentista e belicista. Rejeita o acolhimento. Não aceita uma Igreja que abraça os presidiários — local onde pastores e padres ao longo dos tempos sempre estiveram para levar a pregação, pois Jesus falou: “Eu não vim chamar justos, mas pecadores”.
Emerge na extrema direita um cristianismo para o qual o alicerce não é o perdão, mas reação armada. Uma Igreja que não oferece a outra face e que não obedece à exortação de não julgar para não ser julgada.
A religião como instrumento de poder no Brasil de hoje ataca o papa para defender o líder político. Não abraça as pessoas mais humildes, nas ruas da maior cidade do país. Tem horror a direitos humanos. Uma fé irreconhecível daquela fundada por um pobre, desabrigado, refugiado, preso, torturado, que oferecia o perdão, foi morto entre ladrões e que só realmente se enfurece contra os vendilhões, os hipócritas fariseus e doutores da lei.
Padre Júlio Lancellotti, ao acolher os mais necessitados e que não têm quem os defenda, é testemunho vivo dos ensinamentos mais bonitos e profundos de qualquer religião. É também exemplo de dignidade. A própria ideia de CPI é um escárnio, mas, se sair, será interessante ver o sacerdote diante dos insignes vereadores, a ser inquerido por eles.
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