Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
É da rotina política um grupo político, ao tomar posse para suceder adversários, reclamar da situação encontrada. Dessa vez, em Fortaleza, as reclamações começam antes mesmo da posse, sobre falta de informações na transição. Também não é a coisa mais nova do mundo. O fim de mandato de José Sarto (PDT) tem problemas reais, diversos. Principalmente naquilo que podia haver de mais sensível, o principal hospital da cidade, o IJF. O próprio prefeito criou uma força-tarefa para intervir na unidade, que atravessa falta de medicamentos e insumos.
De volta à suposta falta de transparência: não há crítica mais fácil de responder do que a de se estar sonegando informações. Basta apresentar os dados. Verdade que o prefeito eleito Evandro Leitão (PT) e a equipe dele têm sido vagos sobre o que não receberam ainda. A transição já começou com ruídos antes mesmo da formalização das equipes. Mais clareza de parte a parte fará bem.
Da parte da gestão Sarto, nada mais inocente do que eventualmente sonegar informações. Qualquer coisa que esteja escondida, a equipe de Evandro saberá dentro de quatro semanas, prazo até a posse.
Qualquer pessoa tem direito a suas convicções religiosas e espirituais, mas transpor essas convicções para a lei e para a estrutura de Estado é complicado. O aborto é amplamente rejeitado no Brasil, embora também bastante praticado. Porém, os casos previstos em lei, demonstram as consultas à opinião pública, têm respaldo popular. São eles: gravidez resultado de estupro, risco à vida da mãe ou fetos anencéfalos. A nova investida quer impedir o aborto legalizado nesses casos.
A possibilidade de aborto em caso de estupro está no Código Penal de 1940. E o fato é que nunca foi polêmico, realmente, o direito de a mulher vítima de estupro interromper a gravidez. O Brasil é mais conservador hoje do que há oito décadas? Não se trata disso.
Havia outra visão sobre a forma como a mulher era vista e se colocava na sociedade. Era quase como propriedade do marido. Ou do pai, se solteira. Então, o estupro não era violência contra a mulher, mas contra a honra. Da mulher? Não. Da família, do marido.
Isso se evidencia com o fato de que, até 2005 — um dia desses — persistia no Código Penal a previsão de que o crime de estupro deixava de existir se a vítima casasse. O marido podia ser o próprio estuprador ou outra pessoa qualquer. O casamento sanava o “prejuízo à honra”.
Exemplo na esfera política: em 1932, as mulheres conquistaram direito ao voto, mas não na mesma condição dos homens. Para os homens, era obrigatório. Para as mulheres, facultativo. Ah, então elas tinham mais direito, não é? Podiam escolher votar ou não. Na realidade, as relações de força no ambiente familiar da época tornavam muitas vezes uma escolha do pai ou do marido decidir se a mulher devia votar ou não, se era conveniente ou não a participação política dela. A equiparação do voto das mulheres ao dos homens, ambos obrigatórios, só ocorreu em 1965.
Então, décadas atrás, quem decidia o que era estupro, quem decidia se seria denunciado ou não, era o pai, o marido, a família da vítima. Com a conquista de espaços e voz pelas mulheres, e de autonomia sobre o próprio corpo, essa condição mudou. Hoje é a mulher quem diz se foi ou não vítima de estupro. E aí, uma coisa que nunca tinha sido polêmica passou a ser. Querer proibir o aborto de quem engravidou num estupro é uma reação, uma punição às mulheres pelos espaços conquistados e os avanços em direção à igualdade.
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