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Maioria dos eleitores de Fortaleza é contra proibição total do aborto
Reportagem Seriada

Maioria dos eleitores de Fortaleza é contra proibição total do aborto

Eleitores de Fortaleza contrários à proibição do aborto divergem em quais situações a medida deveria ser permitida, mas tendem a rejeitar prisão de mulheres vítimas de estupro que abortam e de médicos que fazem o procedimento
Episódio 4

Maioria dos eleitores de Fortaleza é contra proibição total do aborto

Eleitores de Fortaleza contrários à proibição do aborto divergem em quais situações a medida deveria ser permitida, mas tendem a rejeitar prisão de mulheres vítimas de estupro que abortam e de médicos que fazem o procedimento
Episódio 4
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A maioria dos eleitores de Fortaleza (62%) é contra a proibição do aborto em qualquer situação, apesar de divergirem sobre o grau de permissão do procedimento. O dado é da pesquisa Datafolha contratada pelo Grupo de Comunicação O POVO, que ouviu 644 pessoas entre os dias 24 e 26 de junho de 2024. A margem de erro máxima é de 4 pontos percentuais para mais ou para menos.

De acordo com a pesquisa, 37% dos eleitores fortalezenses entendem que as autorizações para o aborto deveriam continuar como estão — ou seja, em casos de estupro, de risco de vida da mãe ou de anencefalia do feto (má formação cerebral) —, enquanto 16% avaliam que o aborto deveria ser legalmente permitido em mais situações. Outros 9% opinam que o aborto deveria ser permitido em todos os casos. Somando esses três dados, os grupos representam 62% dos eleitores da Capital.

Para a análise dos dados nesta reportagem, considere "favoráveis ao aborto em algum grau" o resultado da soma das seguintes respostas: o aborto deveria "continuar como é hoje", "ser permitido em mais situações" e ser "permitido em qualquer situação". 

Por outro lado, 32% desejam a proibição completa do aborto; 4% não souberam opinar e outros 2% deram respostas diferentes das apresentadas pelos pesquisadores.


 

A pesquisa ocorreu durante as discussões envolvendo o Projeto de Lei 1904/2024, conhecido como PL do Aborto, que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio. O projeto é de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e teve a urgência aprovada no dia 12 de junho durante uma votação relâmpago, sem que o nome do projeto fosse citado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), quando pautado no plenário.

O PL do Aborto motivou diversos protestos pelo Brasil e mobilizou repúdio de várias instituições, a ponto de forçar o recuo dos parlamentares. O deputado Sóstenes chegou a admitir que o projeto não deve ser votado tão cedo, apesar da urgência aprovada.

Em relação à criminalização da mulher que abortou por causa de estupro ou do médico que realizou o procedimento, o Datafolha indica que a maioria dos eleitores concorda que nenhum deles deveriam ser presos: 72% no caso das mulheres vítimas e 63% dos médicos.

 

 

Este é justamente um dos pontos que Sóstenes considera alterar na proposta, retirando a possibilidade de prisão da mulher estuprada que decidir pela interrupção da gravidez. Segundo ele, a mudança ocorreu após assistir um vídeo compartilhado pela ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, que defende a criminalização do aborto, mas não a prisão da mulher.

 

 

Gênero: Homens e mulheres têm opiniões parecidas sobre o aborto

Homens e mulheres em geral têm opiniões parecidas sobre o aborto: somando as três respostas que aprovam o aborto em algum grau, 64% dos homens são favoráveis ao procedimento (34% nas situações legais atualmente, 16% em mais situações e 8% em qualquer situação) contra 61% das mulheres a favor do aborto (34% nas situações legais atualmente, 17% em mais situações e 10% em qualquer situação).

Ao mesmo tempo, as mulheres são três pontos percentuais mais contrárias ao aborto que os homens. Entre elas, 34% avaliam que o aborto deveria ser totalmente proibido em qualquer ocasião; 31% dos homens dizem o mesmo.

 

 

Independente das opiniões quanto à legalidade do aborto, os fortalezenses majoritariamente se colocam contra a prisão das mulheres vítimas de aborto que abortam (70% dos homens, 74% das mulheres) e dos médicos que realizam o procedimento (61% dos homens, 65% das mulheres). Em ambos os casos, as mulheres são as que menos aprovam a prisão de pessoas envolvidas em abortos.

 

 

Quando se considera o fator religião, católicos e evangélicos também tendem para opiniões similares. Os católicos são ligeiramente mais favoráveis ao aborto em algum grau, somando 60% entre as três opções apresentadas, enquanto os evangélicos somam 53%.

A principal diferença é que enquanto 9% dos católicos opinam que o aborto deveria ser permitido em qualquer situação, apenas 4% dos evangélicos dizem o mesmo. 

Os evangélicos também são ligeiramente mais proibitivos: 42% acreditam que o aborto deveria ser proibido em todas as situações, contra 36% dos católicos com a mesma opinião.

 

 

 

Idade: maioria dos contrários ao aborto tem mais de 35 anos

É principalmente a partir da faixa etária de 35 a 44 anos que localizam-se a maioria das pessoas contrárias ao aborto. Entre os jovens eleitores de 16 a 24 anos, 73% são contra a proibição (seja mantendo a legislação atual ou ampliando os casos) e 20% são totalmente contra o aborto. Os da faixa etária de 25 a 34 anos também são 73% contrários à proibição, enquanto 23% são contra o aborto.

A partir dos 35 anos, o percentual de pessoas que acham que o aborto deve ser totalmente proibido em qualquer situação aumenta para 33%, contra 62% contrários à proibição. Na faixa etária de 45 a 59 anos, o percentual sobe para 41% totalmente contra o aborto e cai para 52% favoráveis.

A faixa etária de 60 anos ou mais marca os 39% que querem proibir o aborto em todos os casos e os 55% favoráveis ao assunto, quando somadas as três possibilidades de resposta (a favor nos casos já permitidos, a favor em mais situações e a favor em qualquer situação).

 

 

 

Escolaridade: quão maior o nível de escolaridade, mais favorável ao aborto

O nível de escolaridade cumpre papel significativo no posicionamento sobre o aborto. Aqueles que têm ensino superior tendem a ser mais favoráveis ao assunto que aqueles com ensino fundamental.

Entre os eleitores que têm somente o ensino fundamental, 50% são totalmente contra o aborto em qualquer situação, contra 44% favoráveis ao procedimento em algum grau. Para os eleitores com ensino superior, a porcentagem cai para 15% de desaprovação e sobe para 80% entre os favoráveis ao aborto em algum grau.

 

 

 

Posição sobre o aborto em relação aos pré-candidatos à prefeitura de Fortaleza

Entre os eleitores dos pré-candidatos à prefeitura de Fortaleza, aqueles que votam em Evandro Leitão (PT) e Célio Studart (PSD) os mais favoráveis ao aborto em algum grau (somando os casos vigentes, em mais situações ou em qualquer situação), com 78% e 85%, respectivamente.

Os eleitores de Capitão Wagner (União Brasil) e José Sarto Nogueira (PDT) empatam com 59% de aprovação ao aborto em algum grau, seguidos dos 56% dos eleitores de André Fernandes (PL).

André Fernandes é o único pré-candidato cujo nenhum eleitor aprovaria o aborto em qualquer situação, apesar de 9% concordarem que o aborto poderia ser permitido em mais situações além das vigentes na legislação atual.

 

 

 

 

A favor do aborto: “Defender a vida é reconhecer que mulheres têm direito à vida digna”

A advogada Graziela Pimentel, 28 anos, é uma das eleitoras que apoia a descriminalização do aborto. Ela é ativista do Católicas pelo Direito de Decidir, uma organização não-governamental formada por mulheres católicas que lutam pela autonomia das mulheres sobre o próprio corpo a partir de uma visão religiosa.

“O PL do Aborto está erroneamente embasado em crenças fundamentalistas religiosas”, comenta a advogada. Segundo ela, o aborto é, antes de tudo, uma questão de saúde pública, cumprindo todos os requisitos médicos para tal: há a previsibilidade da condição, há impacto no indivíduo e na sociedade e pode ser prevenido.

Graziela Pimentel, advogada, 28(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Graziela Pimentel, advogada, 28

“O aborto clandestino ou ilegal contempla os três casos. Uma em cinco mulheres aos 40 anos já realizou algum aborto na vida, sem distinção de classe social, raça, religião”, explica Graziela. Por isso, na visão dela, a descriminalização do aborto garantiria a segurança e sobrevivência de mulheres que já abortariam clandestinamente.

“A descriminalização do aborto não obriga pessoas a abortarem. Nós entendemos que defender a vida é reconhecer que mulheres têm direito à vida digna”, afirma. Para tal, o Católicas pelo Direito de Decidir refletem na vertente cristã do probabilismo, no qual “onde há dúvida, há liberdade”. “Qualquer decisão feita em um momento de dúvida é moralmente válida”, diz.

Sobre o PL 1904/24, ela reforça o peso fundamentalista no debate. “Não foi apresentada uma visão científica, nem de saúde pública no debate do PL 1904. Não foi vista nenhuma outra perspectiva sobre o aborto (além da religiosa).”

A advogada lembra que o Estado é laico. Portanto, ainda que a prática religiosa seja garantida e protegida, ela não deve se sobrepor, nem ser base ideológica para a legislação do País. “Quem optar pela interrupção, poderá procurar estabelecimentos médicos e realizar um procedimento com segurança. E aquelas pessoas que acreditam em seus preceitos morais e religiosos, poderão livremente levar suas gestações adiante. Sendo assim, não há desrespeito ao credo de ninguém”, afirma.

De acordo com o Datafolha, católicos e evangélicos tendem a ter opiniões similares sobre o aborto. Os católicos são mais favoráveis ao aborto em algum grau, somando 60% entre as três opções apresentadas (continuar como está, permitir em mais situações ou permitir em qualquer situação), enquanto os evangélicos somam 53%.

A principal diferença é que enquanto 9% dos católicos opinam que o aborto deveria ser permitido em qualquer situação, apenas 4% dos evangélicos dizem o mesmo.

Os evangélicos também são ligeiramente mais proibitivos: 42% acreditam que o aborto deveria ser proibido em todas as situações, contra 36% dos católicos com a mesma opinião.

 

 

Contra o aborto: “Uma pessoa não pode assumir as consequências porque outro alguém cometeu um crime”

A advogada e graduanda em História Marília Bittencourt, 34, integra os 32% do total de eleitores (e 34% das mulheres) totalmente contra o aborto. Ela entende que a gravidez é um momento de vulnerabilidade, e portanto a “opinião das pessoas à nossa volta são, às vezes, muito assustadoras”.

“Às vezes, essa pressão faz com que a gente não tenha a capacidade de discernimento correto sobre a gestação, as dores psicológicas e os riscos”, reflete. “Porque não existe aborto seguro. Mesmo aborto legal não é seguro, ele apresenta uma série de riscos.”

Marília Bittencourt, advogada, 34(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Marília Bittencourt, advogada, 34

Para Marília, considerando os casos de interrupção de gestação após estupro, o caminho seria combater a violência sexual por outros meios em vez de permitir o aborto. “Vamos aumentar a pena, vamos liberar a castração química, não sei… Vamos ver a possibilidade de a gente ter medidas de seguranças mais sérias, vamos trazer o tratamento, vamos proibir a pornografia…”, sugere, indicando que essas opções seriam mais justas que “matar o bebê”.

“Precisamos ir além das soluções fáceis e rápidas, porque a gente precisa fazer com que essa vida seja valorizada e que a vida da mãe seja valorizada”, reflete. Na opinião da advogada, a Medicina também precisa avançar para encontrar soluções que preservem tanto a mulher, quanto o feto.

“Você pode tirar ele morto, ou tirar ele vivo e dar uma chance para ele viver e entregar para a adoção”, pontua. “A vida de todas as pessoas devem importar seriamente. Isso deve ser um valor fixo na nossa sociedade. A gente não pode negociar sobre a vida.”

Segundo ela, o PL 1904/24 é justo e bem embasado, porque “visa impedir a morte de crianças”. No entanto, Marília discorda da possibilidade de prisão para as mulheres que abortam: “As mulheres nesse caso não são, obviamente, aquelas que devem ser profundamente punidas pelos atos. Elas devem ser orientadas, apoiadas e cuidadas de todas as formas, com todos os direitos próprios das mulheres.”

Os direitos mencionados por Marília incluem apoio psicológico, auxílio, direito e acesso a locais arejados, a bons hospitais, assim como direitos a creches e a procedimentos de adoção humanizados. “Uma pessoa não pode assumir as consequências porque outro alguém cometeu um crime”, conclui.

 

 

Metodologia

O Datafolha ouviu presencialmente 644 eleitores de Fortaleza entre a última segunda-feira, 24, e a última quarta-feira, 26. A pesquisa foi encomendada pelo Grupo de Comunicação O POVO, está registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) com número CE-01909/2024 e tem margem de erro de quatro pontos percentuais para mais ou para menos. A taxa de confiança é de 95%.

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