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O muro da desigualdade fica mais alto de prefeito a prefeito
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

O muro da desigualdade fica mais alto de prefeito a prefeito

Prioridade no discurso de Evandro Leitão ecoa palavras do início do ciclo anterior, 12 anos atrás. Problema é ainda mais grave do que era
EVANDRO Leitão ao tomar posse como prefeito de Fortaleza (Foto: FCO FONTENELE)
Foto: FCO FONTENELE EVANDRO Leitão ao tomar posse como prefeito de Fortaleza

Nas primeiras palavras após ser empossado prefeito, Evandro Leitão (PT) falou superação dos contrastes sociais que marcam Fortaleza. “Nos dirigimos aos senhores e às senhoras neste momento em que nos sentimos abraçados pela honrosa missão de gerir a nossa amada cidade pelos próximos quatro anos, de transformar nossa Fortaleza numa só, sem o muro da desigualdade que separa tantas e tantas famílias”, disse na cerimônia na Câmara Municipal.

Fortaleza é, de fato, uma das cidades mais desiguais do Brasil. Luxo suntuoso convive com miséria crua. Evandro marca a chegada de outro grupo político ao poder depois de 12 anos do ciclo Roberto Cláudio/José Sarto. Verdade que a ruptura não chega a ser profunda. Faz pouco mais de um ano que eles estavam todos no mesmo partido, o PDT. As diferenças só se explicitaram em 2022, por política, não por visão de cidade.

Quando o ciclo anterior se iniciou, em 1º de janeiro de 2013, o primeiro discurso de Roberto Cláudio tinha palavras parecidas. “É preciso reduzir a grave desigualdade existente na quinta maior cidade do Brasil. E derrubar o muro da vergonha que separa a Fortaleza rica da Fortaleza pobre. É hora de fazer nascer uma nova Fortaleza, capaz de se reconstruir”.

Derrubar o muro da desigualdade ainda é uma prioridade. Se for tomado como critério de avaliação aquele objetivo a que RC se propôs, o ciclo encerrado fracassou. A muralha subiu como se fosse superprédio. Segue um desafio para mais um prefeito. Será mais um parâmetro pelo qual Evandro será avaliado ao final de quatro anos — um dos mais relevantes.

Saber entrar e saber sair

A transmissão de cargo é um rito protocolar que se torna mais valioso e significativo quando ocorre entre adversários. É uma homenagem não de quem deixa o poder a quem ascende, não do grupo derrotado a quem venceu. É a consagração da democracia. Um respeito justamente ao processo eleitoral, que tem sido alvo de enxovalhamento nos últimos anos.

O simbolismo da transferência do poder é também respeito à escolha do eleitor. E consagra a própria política. Quem perde hoje irá vencer outro dia, quem vence irá conhecer a derrota. É o ciclo inevitável e é preciso maturidade para lidar com ele.

Jair Bolsonaro (PL), em 2023, tomou atitude que não se via, na Presidência da República, desde o tempo da ditadura. Saiu pela porta dos fundos, como que às escondidas, gesto de quem parece saber que fez coisa errada. Pegou tão mal que imaginei que viraria antiexemplo. Mas não.

Dos cinco maiores municípios do Ceará, Ivo Gomes (PSB) não passou o cargo para Oscar Rodrigues (União Brasil) e apontou suspeita de Covid-19. Motivo de saúde, tudo bem.

Em Caucaia, Vitor Valim (PSB) não apareceu para passar o cargo a Naumi Amorim (PSD). Conforme a assessoria, ele tinha compromisso familiar no mesmo horário — embora já se soubesse desde que ele tomou posse, quatro anos atrás, que haveria outra cerimônia de posse em 1º de janeiro. É assim a cada quatro anos. Em 2021, a posse de Valim ocorreu remotamente, ainda reflexo da pandemia de Covid-19. Naumi na época não participou, mas foi tudo bem diferente.

Em Fortaleza, José Sarto (PDT) foi passar o cargo a Evandro Leitão (PT). Foi o único entre os cinco maiores municípios do Ceará. Afinal, em Juazeiro do Norte e Maracanaú, Glêdson Bezerra (Podemos) e Roberto Pessoa (União Brasil) foram reeleitos e não houve passagem de cargo.

Sarto compareceu, tirou foto e apareceu em vídeo. Mas, não foi à cerimônia pública. A posse foi a portas fechadas, no gabinete, com um punhado de autoridades. O ex-prefeito não foi visto pelo público presente nem pela imprensa. Saiu pelo estacionamento. Não entendi por quê. Talvez Sarto quisesse evitar hostilidade dos apoiadores de Evandro. De todo modo, já estava lá.

Entendo que o gestor deve sair com altivez e de cabeça erguida, com a consciência do trabalho realizado, independentemente da opinião que o eleitor tenha sobre o desempenho. Da mesma forma que, quatro anos antes, botou a cara e o melhor sorriso para tomar posse, tem de ter brio de sair da mesma maneira.

Foto do Érico Firmo

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