Crise do Pix não é culpa só do governo, mas é também
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
A fiscalização do Pix mostrou que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem a capacidade de fazer uma crise brotar do absoluto nada, tornar-se assunto nas mais diversas rodas de conversa e impulsionar a oposição em um assunto que afeta, e muito, a vida das pessoas. O erro não foi só do governo. Houve muitas informações falsas difundidas de modo fraudulento. Mas, não foi só isso, de modo algum. Tanto que o governo recuou. Não foi apenas capitular às fake news. Havia problemas na medida, tanto no método quanto no resultado para as pessoas em si.
Houve as mentiras sobre taxação, o espetáculo de terror psicológico subterrâneo. Como a informação de taxa sobre o Pix. Isso obviamente precisa ser combatido e o governo afirma que o fará.
Porém, há aspectos que são verdadeiros. Parlamentares de oposição fizeram críticas que são cabíveis a uma política pública. É do jogo, o papel da oposição.
O grande impacto que a medida provocou — isso o governo não entendeu ou fingiu não ter entendido, não sei qual o pior — é o impacto para a movimentação de dinheiro que ocorre fora do alcance do Estado, os canais não oficiais, os fluxos subterrâneos.
Isso envolve muita coisa. O comércio ambulante, o prestador de serviço, o marceneiro, o pedreiro, o encanador, o diarista, o engraxate. Vários deles tratam de pequenas quantias, que não sofreriam impacto algum, mas temiam, talvez até mais, ser afetados. Muitos são gente humilde, mas que, não raras vezes, arrecada um bom dinheiro por mês, bem mais que jornalista. E há o fluxo informal que alcança o médico, o dentista, o psicólogo.
Era para esse pessoal, quando alcança o limite de renda previsto, pagar imposto? Era. Tem muita gente que emite nota fiscal, mas, quando o cliente não pede, deixa de declarar a receita? Com certeza. É sonegação? O nome é esse mesmo. Precisa ser combatida? Certamente. O governo vai conseguir da noite para o dia? De jeito nenhum, e se achar que conseguirá via Pix, vai quebrar a cara duas vezes.
O grande problema é que esse mercado informal é maior que o formal. É da casa de 40 milhões de pessoas. Se imaginar em famílias, quase todo o Brasil está envolvido. O governo dizia que o monitoramento não significaria, necessariamente, cobrar desse pessoal do dia para a noite. Nem estrutura para ir atrás existe (mas se cria…). Porém, quem garante? As pessoas ficaram com orelhas em pé e tiveram motivo.
Repito, e não era para pagarem? Era, claro. Há inclusive um mercado ilegal envolvido? Com certeza. Mas, não se vai conseguir tributar metade do mercado de trabalho da noite para o dia, de forma abrupta e mal comunicada. O máximo que se induziria seria a desbancarização e a circulação de dinheiro em moeda. Um transtorno para as pessoas e, sem dúvidas, para a popularidade do governo.
Até porque a sonegação que seria combatida seria a da classe média, inclusive a baixa. Não seria monitorando Pix que se pegaria o grande empresário com criativos setores de contabilidade. Medida tão drástica foi tomada como se fosse uma decisão burocrática qualquer e isso foi parte do enorme erro.
De bandeja para a oposição
Jair Bolsonaro (PL) tentou ganhar dividendos pelo Pix ter sido lançado quando ele era presidente — embora, no começo, ele não soubesse nem o que era. Fato é que, com situações como essas, o governo Lula contribui para consolidar o Pix — ferramenta simpática e prática — como marca do bolsonarismo.
Dúvida
Outro dos problemas para o caso ganhar a dimensão que teve é o fato de que o governo garante que não irá taxar o Pix. Mas, existe uma natural e justificada desconfiança das pessoas — não só com este, mas com qualquer governo. Quem garante que lá na frente não irá tributar?
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