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Outorga onerosa merece discussão
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Outorga onerosa merece discussão

Os usos têm sido problemáticos para a cidade, com valores que muitas vezes não compensam
Tipo Opinião
OUTORGA onerosa
Foto: AURÉLIO ALVES OUTORGA onerosa "vende" exceções às regras urbanísticas

O prefeito Evandro Leitão (PT) enviou à Câmara Municipal de Fortaleza projeto para revogar lei que entrou em vigor nos últimos dias de 2024. A descrição menciona medidas para incentivar a recuperação e a preservação de patrimônios tombados, algo de que a cidade bem precisa. Na prática, mexe com dois instrumentos urbanísticos um pouco complicados: a transferência do direito de construir (TDC) e a outorga onerosa.

A transferência do direito de construir funciona assim: imagine que você tem duas propriedades nas quais, pela legislação, poderia construir edifícios de dez andares. Porém, em uma delas há um prédio de três andares, tombado pelo patrimônio histórico. Pela TDC, o proprietário pode aproveitar os sete andares não construídos no outro terreno. No lugar de construir os 10 andares permitidos no segundo terreno, passa a poder construir 17.

Os objetivos são, basicamente, ressarcir os proprietários pelas restrições em função do tombamento de um imóvel e assegurar que a área da cidade alcance o potencial de construção previsto para a área, sem ter ociosidade decorrente do tombamento de bens históricos.

A proposta de Evandro é revogar a lei complementar 414, que entrou em vigor em 26 de dezembro de 2024. Ela foi proposta pelo então presidente da Câmara, vereador Gardel Rolim (PDT). A proposta, conforme a justificativa, surgiu a partir da demolição do edifício São Pedro. A decisão do poder público de por o prédio abaixo é qualificada como “técnica e responsável no texto”. Porém, o autor salienta que o episódio levou à preocupação com outros imóveis de valor histórico.

O que a lei complementar estabelece é que a transferência do direito de construir pode ser usada como crédito para pagar por outorgas onerosas. Esse instrumento consiste na possibilidade de construir além dos limites estabelecidos em lei. Para isso, o empreendimento paga à Prefeitura. Pela lei, esse pagamento pode ser feito por meio de créditos de transferência do direito de construir. Para ter esse direito, a lei prevê que é necessário atestar que o prédio está em bom estado de conservação.

O projeto foi aprovado em 16 de maio de 2024. Em 7 de junho, foi vetado integralmente pelo então prefeito José Sarto (PDT). Passada a eleição, no fim do mandato anterior, em 17 de dezembro, o veto foi derrubado. A lei foi publicada em 26 de dezembro no Diário Oficial. Agora, Evandro enviou novo projeto de lei para revogar.

O prefeito argumenta que a lei “baseia-se na equivocada ideia de que acarretará incentivos à recuperação e preservação dos imóveis históricos tombados pelo Poder Público" e desvirtua a aplicação dos instrumentos urbanísticos. O texto cita “risco de alto prejuízo financeiro ao Município”, com “forte diminuição do valor arrecadado com as outorgas onerosas”. O projeto afirma que a medida configura renúncia de receitas e “não se fundamentou em um estudo aprofundado sobre os impactos”, em cenário financeiramente delicado.

O papel das outorgas

Para além da lei em si, o uso das outorgas onerosas merece bom debate. Os usos têm sido problemáticos para a cidade, com valores que muitas vezes não compensam. Entrevistei no ano passado a professora e urbanista Clarissa Freitas, que tratou das outorgas e outras exceções abertas para empreendimentos em relação às exigências urbanísticas. Um exemplo: a Aldeota, no passado, era constituídas de casas. Em dado momento, começaram a ser construídos prédios. Isso tem diversos impactos. A rede de drenagem precisa ser refeita, pois a água não irá mais se infiltrar nos quintais. É preciso levar ônibus, abrir vias, saneamento. A outorga onerosa seria para custear tudo isso. O problema é que os valores muitas vezes não cobrem a despesa com a infraestrutura. É um custo difícil de mensurar. Ainda mais o valor simbólico, quando uma vila tradicional dá lugar a um prédio de luxo, por exemplo.

A questão da outorga onerosa não é apenas financeira, mas se compensa para a cidade receber aquele impacto em troca do valor pago.

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