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A fronteira do golpe
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

A fronteira do golpe

GLO ou estado de sítio não é algo solto no ar. Estaria dentro de uma conjuntura, com causas e consequências. E essas circunstâncias são potencialmente incriminatórias
MANIFESTANTES invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023 (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil MANIFESTANTES invadem Congresso, STF e Palácio do Planalto em 8 de janeiro de 2023

A defesa de Jair Bolsonaro (PL) nega que o ex-presidente tivesse conhecimento do plano de golpe e que tenha havido qualquer ato específico praticado por ele para haver o golpe. Em fala a jornalistas após se tornar réu, Bolsonaro afirmou: "Discutir hipóteses de dispositivos constitucionais não é crime". Os tais dispositivos constitucionais eram possíveis decretos de estado de sítio ou estado de defesa. Esta é uma questão crucial: é legal mesmo discutir estado de sítio ou estado de defesa?

Em princípio, claro que é. Estão na Constituição, foram usados várias vezes, legitimamente. O problema é por que o estado de sítio ou estado de defesa ou garantia da lei e da ordem (GLO) seria decretado. Não pode é decretar estado de sítio porque perdeu eleição. Não pode decretar GLO como parte de um golpe de Estado. A elaboração de um plano com esse fim — ainda que abortado posteriormente — é criminosa e é gravíssima.

GLO ou estado de sítio não é algo solto no ar. Estaria dentro de uma conjuntura, com causas e consequências. E essas circunstâncias são potencialmente incriminatórias.

Para que serviriam os decretos?

Discutamos hipóteses dos dispositivos constitucionais. O artigo 136 prevê decreto de estado de defesa, em locais restritos e determinados, para preservar ou restabelecer "a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza".

A GLO, conforme o artigo 15º, parágrafo 2º da lei complementar 97/1999, deve ser aplicada quando esgotadas as possibilidades das forças tradicionais de segurança pública, em situações de graves situações de perturbação da ordem.

Qual ameaça à ordem pública ou à paz social havia no fim de 2022 e começo de 2023? Qual motivo poderia levar ao esgotamento dos "instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio"?

Justamente a agitação de apoiadores de Bolsonaro, acampados em frente aos quartéis pedindo golpe. Golpe, sem meias palavras. Isso o presidente tolerou. Gente que tentou invadir a Polícia Federal, em Brasília. Trio preso por colocar explosivos em caminhão com 60 mil litros de querosene próximo ao aeroporto de Brasília, lotado em pleno Natal. Olha a gravidade disso.

Bolsonaro e os seus discutiam decretos de estado de defesa e outros por causa da agitação promovida pelos apoiadores dele próprio. E o então presidente não cumpriu, na época, o dever de pacificar. Não reconheceu resultado da eleição. Quando pediu para os aliados desobstruírem estradas, foi atendido, ele mesmo lembrou. Por que, então, não pediu para deixarem os quartéis? Inclusive, auxiliares davam apoio aos acampados.

Quando houve o ataque dos aliados de Donald Trump ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, Bolsonaro comentou com apoiadores: "Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos". Não era fala de quem pensava em evitar — e tinha obrigação. Era, no máximo, resignado. Ao dizer isso direto aos apoiadores, chega a ser um estímulo.

Imagine um eventual estado de defesa decretado no local restrito e determinado da Praça dos Três Poderes, onde a autoridade de polícia seria transferida às Forças Armadas. Haveria restrição a direito de reunião e sigilo das comunicações.

Golpes, desde Napoleão passando pela ditadura instalada em 1964, buscam feições de formalidade e legalidade para rupturas institucionais. Era isso que circulava nos altos escalões da República no fim de 2022. A movimentação ocorreu e a defesa de Bolsonaro assegura que ele não tinha conhecimento. Os indícios em contrário não muito além da evidência de que era muito improvável isso ocorrer sem que ele soubesse e participasse.

 

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