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Pessoas recusam emprego por causa do Bolsa Família?
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Pessoas recusam emprego por causa do Bolsa Família?

Dizer que o Bolsa Família cobre as necessidades da população mais pobre, por essa razão, rejeitaria empregos, demonstra desconhecimento sobre o Brasil. A pergunta correta a fazer é: qual a qualidade do emprego o "remador" do ovo oferece?
Tipo Opinião
BANDEJA de ovos brancos (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação BANDEJA de ovos brancos

Ricardo Faria, o chamado “rei do ovo”, está chateado com o ambiente de negócios do Brasil. Contratar, segundo ele, é “um desastre”. Ser empresário no País, algo como “comprar uma canoa, pegar o remo e começar a remar rio acima. É uma árvore caída e daqui a pouco você vê uma cobra, um jacaré”. O "monarca" tem 50 anos e entrou, no ano passado, na lista de bilionários da Forbes, com patrimônio de R$ 17,45 bilhões. Empanturra-se de milho e ainda cacareja.

Em entrevista nesta semana à Folha de S.Paulo, ele disse que tenta criar empregos, mas, coitado, não consegue, por dois motivos. “As pessoas estão viciadas no Bolsa Família. Não temos nem a chance de trazer essas pessoas para treinar e conseguir dar uma vida melhor, porque elas estão presas no programa”.
Além disso, segundo disse, “os jovens não querem mais ter essa relação trabalhista formal, uma carteira assinada, e ter que ir todo dia para o mesmo lugar. Aqui não conseguimos, porque tem o Estado tutelando. Não é mais como antigamente, que o camarada chegava numa empresa e queria ficar 25 anos”. Não entendi o que a tutela do Estado tem a ver com o funcionário não querer ficar muito tempo na mesma empresa. Não é como se houvesse programa social para isso, como pagamento de “luvas” por transferência, que nem para jogador de futebol. Há, de fato, um aspecto cultural e geracional. Mas deixa eu me deter sobre a questão do Bolsa Família.

O benefício básico é de R$ 600. Há acréscimos: R$ 50 a famílias com gestantes e por filhos de 7 a 18 anos. Para crianças de 0 a 6 anos, o valor é de R$ 150. Também não é nenhuma exorbitância para sustentar crianças pequenas, quanto mais recém-nascidos.

Dos 20,49 milhões de beneficiários em junho, a maioria recebe pouco mais que isso. O montante médio pago às famílias é de R$ 666,01. O salário mínimo atualmente é de R$ 1.518. O Bolsa Família, em média, não paga nem metade. E olha que, a cada aumento do — ínfimo — salário mínimo, há queixa de muito empresário “remador” tal qual o monarca.

Dizer que o Bolsa Família cobre as necessidades da população mais pobre, que por essa razão recusaria trabalho, demonstra profundo desconhecimento sobre o Brasil.

A pergunta correta a fazer é: qual a qualidade de vaga o “remador” do ovo oferece para que a rejeitem em troca de um benefício médio inferior à metade de um salário mínimo? (No site da Granja Faria, há seleção para operador de produção com salário de R$ 1.600 para trabalhar em “tempo integral”).

O que avançou

Em 2013, foi aprovada emenda à Constituição para dar igualdade de direitos trabalhistas entre empregados domésticos e os demais trabalhadores. Foi a chamada “PEC das domésticas”. Houve muitas queixas da classe média de que não conseguia mais contratar empregada ou babá. Esse choque ocorreu em Londres no século 19. Na Europa e nos Estados Unidos, ter um trabalhador em casa para fazer serviços cotidianos costuma ser privilégio de ricos.

A economista americana Deirdre McCloskey traçou uma figura, em obra monumental publicada há mais de uma década, uma imagem relevante: as casas de classe média de Brasil e África do Sul eram mais limpas que as de Estados Unidos e Europa. Por causa do trabalho doméstico precarizado. “Se explorar a gente pobre de cor fosse uma boa ideia”, ela ensinava, brancos brasileiros e sul-africanos viveriam melhor do que os colonizadores europeus.

McCloskey se descreve como “liberal à moda do século 19”. Chama Lula de criminoso, mas ainda assim o achou preferível, em 2022, a Jair Bolsonaro, a quem se refere como “fascista”. Foi assistente de Milton Friedman, professora nas universidades de Chicago e Illinois. Critica Alexandre de Moraes e elogia Javier Milei. Recentemente, defendeu a volta de Paulo Guedes, de quem foi professora. É mulher trans — fez transição de gênero aos 53 anos, depois de décadas de casamento e com dois filhos.

De volta aos empregos. Não é atraso, mas avanço que não se seja obrigado a aceitar um emprego aviltante por questão de sobrevivência. A despeito de romantismos, havia gente que ficava décadas na mesma empresa às vezes por não ter condições de buscar algo melhor.

Costuma-se alimentar a ideia de que as pessoas não irão trabalhar, esforçar-se ou inovar se não for por necessidade. Tese contrariada pela evidência de que personagens como Bill Gates, Marc Zuckerberg ou Jeff Bezos não estavam propriamente premidos pela busca da sobrevivência ao inovar e empreender. Experimentos sociais sugerem que segurança material torna os indivíduos mais corajosos, ousados e inventivos.

Foto do Érico Firmo

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