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Qual a missão da Justiça
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Qual a missão da Justiça

A sessão de reabertura dos trabalhos após o recesso foi um ato de resposta às tentativas de coação do Poder Judiciário brasileiro por pressão estrangeira estimulada por autoridades brasileiras, inclusive com mandato
Tipo Opinião
MINISTRO Luís Roberto Barroso, presidente do STF (Foto: Carlos Moura/SCO/STF)
Foto: Carlos Moura/SCO/STF MINISTRO Luís Roberto Barroso, presidente do STF

Sexta-feira, 1º de agosto de 2025, foi um dia histórico no Supremo Tribunal Federal (STF). A sessão de reabertura dos trabalhos após o recesso foi um ato de resposta às tentativas de coação do Poder Judiciário brasileiro por pressão estrangeira estimulada por autoridades brasileiras, inclusive com mandato no Congresso Nacional. O tribunal deu a única resposta possível: as sanções serão ignoradas, como precisam ser. Os julgamentos irão prosseguir, como não pode ser diferente.

Houve falas muito duras e contundentes, como necessário. Alexandre de Moraes bateu nos “milicianos do submundo do crime”, “pseudo-patriotas” e mencionou “traição do Brasil”. Atacou o que qualificou de “organização criminosa” a agir “de maneira covarde e traiçoeira para submeter este Supremo Tribunal Federal ao crivo de um Estado estrangeiro”.

“Acham que estão lidando com gente da laia deles, que estão lidando com milicianos, mas estão lidando com ministros da Suprema Corte”, afirmou. E completou: “Engana-se essa organização miliciana e aqueles brasileiros escondidos e foragidos fora do território nacional em esperar fraqueza institucional ou debilidade democrática”.

Destaco em particular o discurso de Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, ao abrir a sessão. Ele apontou: “Do início da República ao fim do regime militar, a história do Brasil foi a história de golpes, contragolpes, intervenções militares, rupturas ou tentativas de rupturas da legalidade constitucional”. Para ilustrar, o ministro fez um apanhado dos momentos em que a democracia brasileira foi ameaçada ou subtraída.

21 golpes ou tentativas

“Tentativas de quebra da institucionalidade nos acompanham desde os primeiros passos da República brasileira”, disse Barroso. Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente, lembrou Barroso, renunciou em 1891, após um intento de golpe que não deu certo. Foi o episódio 1. Assumiu o vice, Floriano Peixoto, que, pela Constituição, deveria convocar eleição. Mas ele permaneceu no poder, de forma ilegítima, até 1894. Episódio 2.

O episódio 3 citado pelo ministro foi quando generais rebelados contra o governo pediram habeas corpus ao STF, em 1892. Floriano teria dito: “Se o STF conceder habeas corpus, não sei quem amanhã dará habeas corpus aos ministros”. O tribunal não concedeu os habeas corpus.

Para Barroso, os três momentos ilustram três características que marcam a história do País: presidentes autoritários, militares envolvidos em política e ameaças ao Supremo Tribunal.

Entre as rupturas ou tentativas em relação à ordem estabelecida ele elenca: 4) a revolta dos 18 do Forte de Copacabana, de 1922, 5) a revolta tenentista de 1924, ambas contra Arthur Bernardes, 6) a Revolução de 1930, 7) a Revolução Constitucionalista de 1932, 8) a Intentona Comunista de 1935, 9) o golpe do Estado Novo, em 1937, 10) a destituição de Getúlio Vargas, em 1945, 11) o contragolpe preventivo do marechal Henrique Lott, em 1955, para assegurar a posse de Juscelino Kubitschek, 12) a revolta de Jacarecanga, em 1956, 13) e a revolta de Aragarças, em 1959, ambas contra JK, 14) o veto de ministros militares à posse de João Goulart, 15) o golpe de 1964, 16) a prorrogação do mandato de Castello Branco, com cancelamento da eleição de 1965, 17) o AI-5, em 1968, 18) o impedimento da posse do vice-presidente Pedro Aleixo, em 1969, 19) a outorga pelos ministros militares da emenda constitucional n.º 1, “que na verdade foi uma verdadeira constituição de 1969, com o congresso fechado”, 20) os anos de chumbo do governo Médici, “com tortura, censura e exílio”, 21) o fechamento do Congresso por Ernesto Geisel, em 1977, para outorga do Pacote de Abril, que mudou as regras eleitorais.

A lista, quando enumerada, causa espanto. Barroso constatou: “Do início da República até a Constituição de 1988, o sistema de Justiça não conseguiu se opor de forma eficaz às ameaças autoritárias e às quebras da legalidade constitucional”.

O que o histórico mostra é que a ameaça de ruptura institucional no Brasil é muito real. Já aconteceu muitas vezes. Subvertiam as regras e depois mudavam de novo aquilo que eles mesmos haviam estabelecido.

Em 2022, um golpe foi planejado. Há réus que confessaram. Inclusive o plano de matar presidente, vice-presidente e ministros do STF. O planejamento existiu e não resta mais dúvida.

Alguns dizem: “Não foi nada demais”, “deixa isso para lá”. Quem fala isso ignora que as ameaças à democracia são uma constante no Brasil. Esse tipo de tentativa não é raro. De 1889 a 1985, não se passaram cinco anos sem uma. Quase sempre os golpistas escaparam ilesos ou quase ilesos. Isso sempre foi um estímulo ao golpe seguinte. A complacência com o golpismo ou ignora isso ou não se importa.

Barroso disse: “Nós superamos os ciclos do atraso. Nosso papel, aqui no STF, é o de impedir a volta ao passado”. Se a Justiça não servir para isso, não serve para nada.

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