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Superpoderes de um Legislativo sem responsabilidade
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Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista

Érico Firmo política

Superpoderes de um Legislativo sem responsabilidade

Como certa vez disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad: "Virou um parlamentarismo que, se der errado, não dissolve o Parlamento, e sim a Presidência da República"
Tipo Opinião
Congresso Nacional tem se fortalecido (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil Congresso Nacional tem se fortalecido

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Parlamentares de oposição reclamam que o Supremo Tribunal Federal (STF) avança sobre as prerrogativas deles, mas o que tem ocorrido ao longo da última década é um pouco mais complexo. Existe um crescimento do protagonismo político do STF, sim, mas também do Congresso Nacional, enquanto o Poder Executivo foi parcial e gradualmente esvaziado. O motor desse maior protagonismo do parlamento foram as emendas impositivas, instrumento questionável do ponto de vista da transparência, da ética e do impacto.

Os outros poderes se fortalecerem frente ao governo não é ruim de todo. No Brasil, o governo sempre teve a supremacia. O Legislativo costumava ser submisso, dependente de cargos e recursos. Não se pode dizer, porém, que mais potência e autonomia estejam sendo até agora boas para o País. Até porque, na contramão do tio do Homem-Aranha, o maior poder não trouxe responsabilidades adicionais.

Há queixas de intromissões do Judiciário, mas é um acinte que se discuta anistiar os possíveis condenados no meio do julgamento no STF. É uma afronta de um poder ao outro.

Intromissão na economia

Porém, não é apenas nisso que o Congresso avança. O centrão articula uma proposta esdrúxula para permitir aos legisladores demitirem diretores do Banco Central. Há alguns anos, em meio a muita polêmica, foi aprovada a autonomia do BC, para que o governo não possa demitir a diretoria que ele próprio escolheu. Isso passou no Legislativo. Agora, deputados e senadores querem que eles próprios tenham o poder que tiraram do governo? Numa função que é essencialmente Executiva? Não tem cabimento.

Já houve recente invasão dos congressistas à competência do governo, quando suspenderam o decreto presidencial que aumentou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Isso pode ser feito quando os atos “exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa”. Não foi o caso, entendeu o STF, ao suspender a decisão do parlamento. Deputados e senadores não podem derrubar decreto do governo porque discordam dele.

Quem responde por quebrar o País?

Pior ainda é o que disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no ano passado. Antes, apenas o governo podia criar despesa e abrir mão de receita. O Supremo reconheceu que o Legislativo também pode. Porém, apontou o ministro, esse último não precisa cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal.

"Se o Parlamento tem as mesmas prerrogativas do Executivo, ele deve ter também as mesmas obrigações”, defendeu Haddad. "Virou um parlamentarismo que, se der errado, não dissolve o Parlamento, e sim a Presidência da República, e chama o vice", completou.

A Magnitsky brasileira nas mãos de deputados e senadores

Há ainda a ideia de uma versão brasileira da lei Magnitsky — usada pelo governo Donald Trump para punir Alexandre de Moraes. As punições, porém, não seriam aplicadas pelo Poder Executivo, como ocorre nos Estados Unidos. Também não seria pelo Judiciário. A atribuição seria do Congresso Nacional. Não é uma beleza?

Escudo

E tramita na Câmara dos Deputados a "PEC da Blindagem", que prevê, entre outras muitas coisas, necessidade de eles próprios autorizarem para que se investigue deputados e senadores. Além disso, estabelece que o Judiciário não poderia julgar a legalidade quando parlamentares decidissem suspender ação contra um deputado federal ou senador, pois seria decisão de natureza política. Além de bandalheira sem tamanho, viola poderes da Justiça.

Oportunismo

O Legislativo tem um cenário hoje de hegemonia do centrão, governo acuado e direita fortalecida. As iniciativas para robustecer o Congresso são feitas com base nessa conjuntura, como se as coisas não mudassem, ainda mais na política brasileira.

Os autores da ideia de dar ao parlamento os poderes de aplicar sanções, na Magnitsky tupiniquim, jamais pensariam em estender essa possibilidade à Assembleia Legislativa do Ceará, por exemplo, onde o governismo é ampla maioria.

As instituições de Estado não devem ser organizadas conforme as circunstâncias. Precisam ser pensadas de forma permanente e para além dos interesses momentâneos. Políticos, ainda mais, perdem de vista que a realidade de hoje pode ser muito diferente amanhã. A oposição de hoje um dia poderá estar no governo, quem está no poder sairá um dia. A maioria de hoje pode ser a minoria de amanhã e vice-versa. Mas tem gente que não enxerga além do horizonte da próxima eleição.

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