Voto de Fux tem alguma razão de ser, um aspecto bom, vários problemas e um perigo
clique para exibir bio do colunista
Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Foto: Gustavo Moreno/STF
O ministro Luiz Fux votou pela anulação da ação penal e descartou a imputação do crime de organização criminosa armada contra os réus
O voto do ministro Luiz Fux para absolver cinco dos sete réus da ação penal 2668 tem uma virtude fundamental que deve caber a todo juiz. Se ele, com base nas provas, não tem convicção da culpa dos acusados, deve absolvê-los. Não precisa ter certeza da inocência. A falta de certeza da culpa é o bastante para não condenar.
A divergência, em si, não é problema. Ao contrário. É positivo que um tribunal tenha diferentes posições. Para isso existem colegiados. Diante do discurso espalhado aqui e nos Estados Unidos sobre um “tribunal de exceção” e um conluio para perseguir e condenar Jair Bolsonaro (PL), a posição mostra um tribunal livre, que funciona em total normalidade institucional e no qual os magistrados se posicionam conforme os respectivos entendimentos.
Fux começou bem ao abordar aspectos processuais. Porém, quanto mais avançava na exposição — e ele avançou bastante — começou a expor inconsistências, incongruências e contradições.
Por exemplo, ele foi a favor de condenar Mauro Cid e Braga Netto por um dos cinco crimes denunciados: abolição violenta do Estado democrático de direito. Ora, mas como é isso mesmo?
Como já mencionei, o julgador não negou a praticamente totalidade dos fatos narrados. A diferença foi a forma como os interpretou e enquadrou na lei. Então, quer dizer que tudo que houve de ilegal foi obra do Braga Netto e do Mauro Cid? Olha, a mim soaria mais razoável ele dizer que nada daquilo mereceria punição do que a alegação de que, naquele núcleo, a tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito teria partido apenas da dupla dinâmica.
Mais do que isso: como é que ele vota pela validade da delação de Mauro Cid? A conclusão a que ele chegou foi de que, dos fatos narrados, ocorreu apenas um crime dos cinco denunciados. E cometido por somente dois dos oito réus — Mauro Cid e mais um. O ex-ajudante de ordens teria, com efeitos práticos, delatado apenas Braga Netto, segundo entendeu Fux. Diante da quantidade de situações que o tenente-coronel relatou, como pode considerar a delação válida? A considerar a interpretação que ele fez dos fatos.
O ministro absolveu Cid por quatro das cinco denúncias. Inocentou-o até por coisas que ele confessou. O — ótimo — advogado de Jair Bolsonaro (PL), Celso Vilardi, comemorou que o ministro acolheu todas as teses das defesas. Mas acho que o voto foi além das defesas. Os advogados procuraram eximir os próprios clientes, mas não negaram o todo da trama e inclusive comprometeram uns aos outros. O magistrado não se limitou a entender que não há provas de envolvimento dos réus e, portanto, eles não devem ser condenados. Isso seria razoável, ainda que questionável. Ele analisou os fatos e achou que não há problema. Isso é grave.
O “nada” do ministro Fux
Fux disse que medidas foram cogitadas, inclusive pelo ex-presidente Bolsonaro, mas no fim “não aconteceu nada” Como assim? Houve planos, houve medidas para colocá-las em prática, houve tentativa de invadir a Polícia Federal, explosivos colocados em caminhão de combustível perto de aeroporto, houve o 8 de janeiro, houve tolerância e estímulo a atos que criariam instabilidade de modo a justificar o Estado de sítio.
As idas e vindas
O posicionamento de Fux indica uma mudança de posição em relação a vários outros julgamentos. Não é necessariamente um problema. Ele pode fazer isso. Mas o ministro citou muita jurisprudência. Seria desejável que fizesse referência ao o que ele próprio entendeu em outros momentos, explicasse a guinada. Há situações bem recentes e relacionadas aos próprios eventos golpistas.
Por exemplo, em 26 de março deste ano de Nosso Senhor de 2025, o mesmo Fux afirmou: “Esses episódios contra a nossa democracia e contra o Estado democrático de direito serão marcantes dia após dia. Todos os dias serão dias da lembrança de tudo o que ocorreu. E, por isso, não se pode, de forma alguma, dizer que não aconteceu nada”. O mesmo julgador agora declara que “não aconteceu nada”.
Faz recordar o discurso de Bolsonaro em 31 de março de 2022, em referência ao aniversário dos acontecimentos daquela mesma data, no ano de 1964. “O que aconteceu nesse dia? Nada”.
O ministro votou antes para julgar mais de mil acusados pelo 8 de janeiro no STF. E votou para condenar centenas pelos crimes pelos quais absolveu Bolsonaro e outros. Não há obrigação de ser coerente, mas, ainda por cima em caso de tanto interesse público, seria recomendável justificar a nova posição. Sob risco de parecer julgar por conveniência. Isso é ainda mais relevante em momento em que o tribunal é alvo de coação do governo dos Estados Unidos, com sanções a membros do STF — das quais Fux foi um dos três a serem poupados.
Por que o voto é perigoso
A tolerância e até legitimação de atos de afronta à democracia tornam a manifestação de Fux perigosa. Ele coloca em patamar de normalidade uma longa sequência de medidas e manifestações autoritárias.
Pelo entendimento manifesto, a interpretação dos fatos adotada pela Procuradoria-Geral da República causaria “efeito inibidor sobre o debate público”. Ora, em nome de permitir a discussão política, abre espaço para prosperar uma ruptura institucional.
Ministro quer crime impossível de ser punido
Sobre acusação de golpe de Estado, ele coloca como condição a derrubada do governo, efetivamente. “Deposição do governo é o que exige a lei”. O magistrado é fofo. Como se haveria de punir um governo que acabou de assumir pela força, após a derrubada do que o antecedeu? Seria o crime impossível de punir. Exatamente como se deu na longa sequência de golpes que o Brasil viveu nos últimos 100 anos.
É análise política que você procura? Veio ao lugar certo. Acesse minha página
e clique no sino para receber notificações.
Esse conteúdo é de acesso exclusivo aos assinantes do OP+
Filmes, documentários, clube de descontos, reportagens, colunistas, jornal e muito mais
Conteúdo exclusivo para assinantes do OPOVO+. Já é assinante?
Entrar.
Estamos disponibilizando gratuitamente um conteúdo de acesso exclusivo de assinantes. Para mais colunas, vídeos e reportagens especiais como essas assine OPOVO +.