Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
Foto: Divulgação/Alpargatas
HAVAIANAS viraram alvo dos conservadores
Estas semanas entre Natal e Ano Novo são períodos em que as pessoas que não são jornalistas costumam ter tempo livre de sobra e pouco assunto. A política põe o pé — o direito, por padrão — no freio, diversas empresas entram em recesso e os esportes dão uma trégua, exceto a Premier League. A mistura entre certa ociosidade, falta do que comentar e acesso às redes sociais pode ser explosiva. Dez anos atrás, por exemplo, estava no auge o meme do “rei do camarote”. O vídeo é de novembro, mas o compartilhamento em profusão foi no fim do mês seguinte, quando as pessoas não tinham muito mais o que fazer. Na mesma época, proliferaram nos shoppings os chamados “rolezinhos”, lembra deles? Eram agitações promovidas por magotes de adolescentes com mais disposição e tanto tempo disponível quanto os que debatiam o assunto no Facebook, a rede mais popular do período. A questão foi alçada à condição de grande reflexão sociológica para debater antes de o salpicão que sobrou da ceia ficar azedo. Dez anos depois, estamos nós a discutir um comercial de chinela.
A controvérsia sobre o comercial de Havaianas é produto da convergência da dificuldade de interpretação de texto com ingredientes paranoides de uma gente que enxerga o inimigo em toda parte, acha que o comunismo está em tudo e lê o mundo como uma grande conspiração. A isso se associa o oportunismo de influenciadores políticos que se alimentam de polêmica e precisam manter os radicais mobilizados com base em alguma coisa, a mais besta que seja.
Uma empresa com mais de 100 anos, que produz calçados e é uma das maiores anunciantes do Brasil já mencionou pé direito em propagandas a valer. Inclusive uma peça que voltou a circular, que envolve Romário e Maradona. Até porque esquerda e direita não são criações da política. Recordo-me de um comercial de carro com câmbio automático em que Rivelino falava de dar folga ao pé esquerdo. Hoje seria alvo de sei lá quais leituras.
A mensagem em questão, basicamente, diz: “Não quero que você comece 2026 com o pé direito, desejo que comece com os dois pés”. Doutorado em hermenêutica é dispensável para entender.
Celeuma é fabricada
Mas há cabecinhas que percebem mensagens cifradas em tudo. Os influenciadores com mandatos e sem contribuem para isso. Não se trata de uma polêmica real, mas tampouco é espontânea. Ela é estrategicamente explorada. Quem explora acredita na tese da chinela de dedo comunista? Ou está manipulando incautos de forma deliberada? Na verdade, isso para eles não tem a menor importância. Na circunstância política, o assunto engaja e cumpre o papel.
Não duvido que a Havaianas tenha calculado que haveria essa leitura. Ainda mais ao escolher como protagonista Fernanda Torres, cuja fama ganhou o Exterior com o filme sobre um tema que não era motivo de querela há algumas décadas, salvo por parlamentar da periferia da política, que por alguns acasos veio a se tornar presidente e alçou mais uma discussão sem sentido. A ditadura militar foi combatida pela esquerda, mas nunca foi só por ela. Estamos quase em 2026 e a crítica ao golpe de 1964 passa a ser associada ao comunismo.
Não é de admirar, nesse contexto, a revolta da chinela.
Mimimi de direita
Saudades de quando os conservadores reclamavam que os progressistas eram cheios de “mimimi”. Hoje a direita se vitimiza e reclama de tudo.
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