Escreve sobre política, seus bastidores e desdobramentos na vida do cidadão comum. Já foi repórter de Política, editor-adjunto da área, editor-executivo de Cotidiano, editor-executivo do O POVO Online e coordenador de conteúdo digital. Atualmente é editor-chefe de Política e colunista
O presidente Jair Bolsonaro não faz sentido. Num dia insulta governadores, no outro faz videoconferência com eles e sinaliza outra relação. No dia seguinte, faz pronunciamento contrário a várias das medidas que o Ministério da Saúde, do governo dele, apregoou horas antes. Isso era a forma anárquica de agir de Bolsonaro desde os primórdios dele na política. Não surpreende que acompanhava a trajetória, embora seja de admirar a pachorra de levar o destrambelho para a Presidência da República. Porém, o que se viu ontem, às 20h30min, foi diferente de tudo. Alcançou outro patamar na escala Bolsonaro. Não é mais apenas absurdo, ofensivo, sem nexo. Tornou-se um perigo à vida e à saúde da população. Não lembro de um presidente ter ido tão longe.
Num momento que provavelmente ficará marcado quando se falar no futuro sobre esse episódio, ele se gabou da própria forma física para eventualmente enfrentar a doença. "No meu caso particular, pelo meu histórico de atleta, caso fosse contaminado pelo vírus não precisaria me preocupar, nada sentiria ou seria, quando muito, acometido de uma gripezinha ou resfriadinho."
Ontem, o Ministério da Saúde contabilizou 46 mortes pela doença. O pouco caso já seria desrespeitoso. Mas, a fala do presidente é uma resposta à falta de esclarecimento se ele estaria ou não com coronavírus. Mas, a seriedade disso não é apenas se ele ficaria bem ou mal. O presidente, quando deveria estar em isolamento, manteve contato com manifestantes, em 15 de março. Será que ele passou a Covid-19 para algumas daquelas pessoas, sem o mesmo histórico de atleta, algumas das quais de idade avançada? Ou será que essas pessoas passaram para outras? Esse é o drama do coronavírus que o presidente não parece entender.
"Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade", diz o presidente. É verdade. O problema não é esse. Falou de proteger os idosos. O que ele não entende é que, para além de haver perfis de risco em todas as faixas de idade, a sociedade brasileira não está separada em grupos etários, como escola de ensino fundamental. Jovens e idosos convivem, interagem. Vivem juntas. Pessoas de mais idade têm filhos, têm netos, têm cuidadores. É imaginação supor esse cofre em que os velhos ficariam trancados por algumas semanas enquanto jovens criam anticorpos. Quando se isola inclusive os jovens é para preservar os idosos, justamente.
O presidente não tem discernimento mínimo para entender isso. Seu despreparo para compreender a complexidade da questão é patente. Quando debocha e se apresenta como invulnerável à doença, ele expõe um delírio de super-homem.
O delírio é um distúrbio fisiológico. Normalmente, não é culpa de quem delira. Despreparo é condição de quem não se preparou para algo, por vezes por falta de condições.
Mas, isso apenas não produziria o que Bolsonaro fez ontem. O pronunciamento inclui como ingrediente inevitável a desmedida irresponsabilidade. A mistura, e o último item sobretudo, é muito perigosa quando presentes num presidente da República.
Ministério desmoralizado
No pronunciamento, Bolsonaro dedicou-se a elogiar o ministro da Saúde. "O doutor Henrique Mandetta vem desempenhando um excelente trabalho de esclarecimento e preparação do SUS para atendimento de possíveis vítimas." A parte o fato de o discurso parece ter sido escrito no mês passado, quando a fase ainda era de preparação e não de mais de 2.201 casos e 46 mortes, o elogio ocorreu para o presidente, em seguida desfazer o trabalho do ministro.
Em publicação na tarde de ontem, o ministério registrou: "Em termos práticos, a declaração é um comando do Ministério da Saúde para que todos os gestores nacionais adotem medidas para promover o distanciamento social e evitar aglomerações, conhecidas como medidas não farmacológicas, ou seja, que não envolvem o uso de medicamentos ou vacinas." O presidente não poderia estar mais na contramão dos técnicos do assunto em seu próprio governo.
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