
Evandro Menezes de Carvalho é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Cátedra Wutong da Univesidade de Língua e Cultura de Pequim. Nesta coluna, aborda geopolítica internacional com foco na Ásia
Evandro Menezes de Carvalho é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Cátedra Wutong da Univesidade de Língua e Cultura de Pequim. Nesta coluna, aborda geopolítica internacional com foco na Ásia
O livro “Histórias sobre os que não temiam fantasmas” reúne trechos de contos chineses que narram o encontro de pessoas com figuras fantasmagóricas. No conto Fênix Verde, um jovem de 21 anos chamado Qubing retorna à mansão abandonada de sua família para rever uma jovem fantasma da qual se apaixonara. Aparece-lhe, contudo, “um fantasma de cabelo crespo e face negra como o carvão, que o olhou fixamente de olhos arregalados. Qubing riu-se, mergulhou o dedo no tinteiro e, depois de lambuzar a cara com tinta, esbugalhou também os olhos para o fantasma. Humilhado, este desapareceu.”
No conto “O que diz Cao Zhuxu”, um homem decide dormir na biblioteca da casa de um amigo, mesmo advertido de que aquela biblioteca era assombrada. A certa altura da noite aparece-lhe uma mulher fantasma de cabelos soltos e uma língua pendida na boca “como fazem os enforcados”. Cao riu e falou: “O cabelo, embora bastante desgrenhado, continua a ser cabelo. E a língua, apesar de um pouco saída, continua a ser uma língua. Que tem isso de assustador?” A fantasma retirou sua própria cabeça do corpo e pôs em cima da mesa. Cao novamente riu e disse: “Se eu não te temo com cabeça, porque te hei-de temer sem ela!” A fantasma sumiu.
No conto retirado de "Crônicas de Luz e Sombra", de Liu Yiqing, ao ser surpreendido com a aparição de um fantasma sentado na latrina a menos de 30 cm de distância, o homem, impassível, disse com um sorriso: “Há quem afirme que os fantasmas são imundos; é verdade que são!” O fantasma desapareceu envergonhadíssimo.
Diante da frieza ou incredulidade dos seres humanos, fantasmas passam a receá-los. Quando se os desafia, descobre-se que nada há neles de assustador. Este livro é uma ótima analogia para refletirmos sobre os tempos atuais. Há muitas pessoas que passaram a acreditar em fantasmas com tal facilidade que os assusta a simples possibilidade de encarar a realidade de que eles não existem. Acreditam que terão a proteção do fantasma tanto mais mostrem seu temor a ele. No prefácio do livro, He Qifang indaga: “Será possível que quanto mais temamos os ‘fantasmas’, tanto mais eles gostem de nós? Que nesse caso terão pena de nós e não nos prejudicarão?”
Estes contos lembram da importância de se olhar a realidade de maneira objetiva, científica e destemida. Devemos voltar o nosso olhar para as coisas reais que verdadeiramente fazem sentido. O medo que devemos ter é da nossa ignorância. Este é o verdadeiro fantasma que assombra a humanidade. O fantasma de outro conto intitulado “Sete Contos da Garrafa de Ouro” faz uma honesta confissão: “A verdade é que são os fantasmas que temem os homens”.
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