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Estado de Direito e de Virtude
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Evandro Menezes de Carvalho é professor da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Cátedra Wutong da Univesidade de Língua e Cultura de Pequim. Nesta coluna, aborda geopolítica internacional com foco na Ásia

Estado de Direito e de Virtude

Na China, cidadãos abrutalhados, intratáveis, grosseiros e violadores da lei não encontram espaço para se desenvolverem na política. Isto explica uma obrigação que deve ter o dirigente do país: liderar pelo exemplo
O presidente da China, Xi Jinping, canta o hino nacional durante a sessão de encerramento da Assembleia Popular Nacional (APN) no Grande Salão do Povo em Pequim, em 11 de março de 2022 (Foto: LEO RAMIREZ / AFP)
Foto: LEO RAMIREZ / AFP O presidente da China, Xi Jinping, canta o hino nacional durante a sessão de encerramento da Assembleia Popular Nacional (APN) no Grande Salão do Povo em Pequim, em 11 de março de 2022

Na China do tempo das dinastias, o exercício do poder não era ilimitado. O imperador devia agir conforme os ritos e os códigos morais estabelecidos na época. Grandes pensadores chineses como Laozi, Confúcio, Mêncio e Zhuangzi, acreditavam que um governo amoral e perverso seria fadado ao fracasso. Para Confúcio, um povo deve ser guiado por um governo virtuoso. Mêncio, por sua vez, dizia: "se não se confiar em homens de virtude e capacidade, um Estado se tornará vazio e sem nada".

Para estes sábios chineses, um ato moralmente aceitável pressupunha ser racional e conforme a lei; contrariamente, um ato moralmente reprovável não poderia ter outro julgamento senão o de ser irracional e ilegal. As virtudes morais atuavam como evidência da legalidade e da racionalidade dos atos dos governantes, impondo-lhes certos limites.

A noção de virtude remete ao ideal confuciano do "Ser Humano Nobre". Para explicar o sentido desta expressão, o presidente Xi Jinping cita um alto funcionário da dinastia Song do período da chamada Primavera e Outono (770-221 a.C.) que teria esculpido as seguintes palavras no templo da família: "Aceitar a primeira nomeação com a cabeça abaixada, aceitar a segunda com as costas curvadas e aceitar a terceira com o corpo inclinado mais ainda." Este é o exemplo a ser seguido pelos membros do Partido Comunista da China: servir ao povo sem soberba. Nada mais republicano.

A dimensão moral está presente também no discurso sobre o direito chinês. "A lei é a moral em sua forma escrita, enquanto a moral é a lei no coração. Devemos integrar o conceito de Estado de direito com o de Estado de Virtude", disse Xi Jinping.1 Têm-se, aqui, os dois pilares sobre os quais se edifica o sistema jurídico-político socialista chinês: o Estado de Direito e o Estado de Virtude.

O socialismo chinês não é apenas uma proposta de sociedade com justiça social tendo as relações de produção como definidoras das identidades pessoais; é, também, e esta não é uma questão de menor importância, uma proposta de sociedade referenciada em um ideal de ser humano acessível a cada um e que se forma na boa prática da virtude dentro das restrições legais, independentemente da sua classe social.

Sendo assim, na China, cidadãos abrutalhados, intratáveis, grosseiros e violadores da lei não encontram espaço para se desenvolverem na política. Isto explica uma das principais obrigações que devem ter os dirigentes do país: liderar pelo exemplo. Do contrário, poderão ser afastados de seus cargos. n

 

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