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Os macacos bêbados
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Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha

Fabio Angeoletto ciência e saúde

Os macacos bêbados

Segundo o biólogo Robert Dudley, a atração pelo álcool conferiu aos primatas uma vantagem, em relação a outros animais, na competição por frutas maduras
Tipo Opinião
Fabio Angeoletto, professor da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Fabio Angeoletto, professor da Universidade Federal de Rondonópolis (UFR)

Nós não somos os únicos primatas a apreciar o álcool: outras espécies de macacos também o apreciam, ao ponto de ingerirem grandes quantidades de frutos fermentados (onde açúcares foram convertidos em etanol). Alguns primatologistas, inclusive, relatam casos de grande euforia entre macacos que usualmente se alimentam com esses frutos.

Dessas observações nasceu a hipótese do macaco bêbado, formulada pelo biólogo Robert Dudley. Segundo ele, a atração pelo álcool conferiu aos primatas uma vantagem na competição com outros animais por frutas maduras. Ao fermentarem, as frutas desprendem o odor característico do álcool, que se dispersa pelo vento, indicando aos primatas a presença de fontes alimentares.

Seguindo o odor do etanol, nossos ancestrais teriam mais facilidade para encontrar frutos nutritivos. Pela óbvia vantagem evolutiva que esse comportamento representa, ele teria sido selecionado no decurso de nossa evolução.

A hipótese do biólogo americano encontra suporte em evidências variadas. A principal delas é genética: temos várias enzimas cuja única função é metabolizar o etanol que ingerimos. Nosso prazer em beber umas cervejas geladas há que ser também analisada desde um ponto de vista cultural.

A extraordinária capacidade dos seres humanos em criar ferramentas e modificar ambientes permitiu-lhes ir além dos resquícios de álcool contidos em frutas fermentadas. Temos quanto álcool quisermos, podemos beber até a morte, e, de fato, milhões de vidas foram ceifadas pelo seu consumo.

Eis o mais paradoxal dilema de nossos tempos: vivemos milhares de anos em ambientes onde a busca por alimentos era uma tarefa complexa. Nosso apetite por açúcar, álcool e gordura evoluiu num contexto onde um pouco mais de comida poderia significar a diferença entre a vida e a morte.

Imagine que pudéssemos transportar pelo tempo um ser humano de 20 mil anos atrás, e que pudéssemos metê-lo em um hipermercado. Qual seria a imensa surpresa e o deleite desse pré-histórico, ante a fartura de comida.

Hoje vivemos na sociedade da abundância, e o excesso nos adoenta. E os excessos, curiosamente, alimentam o ciclo eterno que gira em nossas cabeças animais: nossa gula é biológica, nosso aparato cultural nos permite saber que podemos combatê-la queimando calorias, através de exercícios físicos.

 

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