
Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha
Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha
Inicio esta elegia agradecendo as centenas de pessoas que manifestaram suas condolências pelo falecimento de minha mãe, Maria Helena Stern Soares Angeoletto, durante seu funeral. Eu disse a todas elas que a melhor maneira de honrar a memória da minha mãe é continuar trabalhando por um Brasil mais justo e verde, pois esse era seu maior orgulho: uma brasileira que não pode estudar, mas que lutou, e muito, para que seus filhos frequentassem uma universidade e caminhassem com retidão.
As pequenas conquistas, uma árvore a mais embelezando um quintal e alimentando uma família, cada artigo publicado, todo o conhecimento compartilhado com milhares de pessoas, em iniciativas de jornalismo científico. Esses eram os feitos que inflavam o peito de minha mãe, e ela foi sábia para discernir que eles são o que nos tornam pessoas melhores, não a soberba, o veneno com o qual o dinheiro nubla a consciência dos tolos.
Pois esse foi o destino da minha mãe e será o de todos nós, e nenhum ouro poderá comprar um legado de honestidade e generosidade. O que nós deixamos são nossas ações. Não é um carro de 300 mil reais, uma mansão ou o poder aqueles que te habilitarão à uma existência digna. Os que se enganam com esses brinquedos que a ferrugem destruirá inclemente, padecem da pobreza mais miserável: eles são pobres de espírito. Esse ensinamento foi a riqueza mais importante que minha mãe me legou.
Na madrugada fria, sozinho com minha mãe em seu esquife, conversei com ela sobre como os cristãos e o gregos da Antiguidade tinham visões muito parecidas sobre a vida após a morte. Para os gregos, ao falecer, a alma de uma pessoa era guiada até as margens do rio Aqueronte, cujas águas separavam o mundo dos vivos do mundo dos mortos, o Reino do Deus Hades.
Caronte, o barqueiro de Hades, tranportava as almas dos recém-falecidos para a outra margem do rio, mas havia uma condição: apenas aqueles que tivessem uma moeda poderiam pagar pela passagem. Almas sem o devido pagamento eram deixadas vagando eternamente na ribeira do Aqueronte, sem encontrar descanso. Este era um costume funerário grego: uma moeda era depositada no caixão, junto ao falecido, para que ele pagasse os serviços de Caronte, e cruzasse o rio sem sobressaltos.
Uma vez na outra margem do rio Aqueronte, as almas submetiam-se ao julgamento de três sapientíssimos juízes: Minos, Éaco e Radamanto. Três destinos eram possíveis, depois do julgamento. Os Campos Elísios eram o paraíso, a morada dos heróis, dos justos e daqueles que viveram uma vida virtuosa. Ali, as almas nobres encontravam beleza eterna, paz e felicidade. Com campos floridos, luz suave e uma atmosfera serena, os Campos Elísios ofereciam um descanso abençoado para as almas dignas, que podiam desfrutar de banquetes, vinho, música e a companhia de outros espíritos virtuosos.
O Campo de Asfódelos era o destino mais comum para a maioria das almas. Não era um lugar de punição nem de recompensas gloriosas, mas um reino cinzento e anódino, onde as almas vagavam sem propósito, envoltas em uma névoa de esquecimento. Era o destino daqueles que não haviam cometido crimes, mas que também não tinham realizado grandes feitos.
Era a morada dos medíocres. O terceiro destino era o Tártaro, um abismo de profundidade infinita, reservado a criminosos, assassinos e todos aqueles que, em vida, semearam o mal. No Tártaro eles cumpririam suas sentenças eternas, em um ciclo interminável de dor e frustração.
Essa complexa visão do pós-vida na mitologia grega demonstra a crença em diferentes destinos para as almas, moldados pelas ações e caráter de cada indivíduo em vida. Hades garantia que cada alma encontrasse sua morada, e ele era incorruptível: as riquezas do falecido não poderiam comprar-lhe uma passagem ao Éden. Em um derradeiro gesto de carinho, depositei sob as mãos delicadas de minha mãe uma moeda, e desejei-lhe uma viagem tranquila ao Paraíso.
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