
Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha
Jornalista, divulgador científico e professor da Universidade Federal de Rondonópolis. É doutor em ecologia pela Universidade Autônoma de Madrid, Espanha
Eu recentemente publiquei, com colegas de diversas universidades da América Latina, Estados Unidos, Canadá, Europa, Ásia e África, um artigo na revista Nature Cities, sobre a influência das religiões, política e conflitos bélicos na evolução de espécies em ambientes urbanos. Evolução das espécies é a mudança dos seres vivos ao longo das gerações, impulsionada por variações genéticas e pela seleção natural.
A biologia evolutiva urbana é uma ciência muito recente, surgida neste século. A pesquisa sobre evolução biológica em cidades tem se concentrado em fatores ambientais como a fragmentação de habitats e a poluição, e negligenciado as forças sociopolíticas que moldam os ambientes urbanos. Em nosso artigo na Nature Cities, [https://www.nature.com/articles/s44284-025-00249-3] intitulado Legacy effects of religion, politics and war on urban evolutionary biology, ou em português, Efeitos herdados da religião, da política e da guerra na biologia evolutiva urbana, listamos conhecimentos sobre como a religião, a política e a guerra influenciam a evolução da vida silvestre urbana.
Religiões são crenças relacionadas a fenômenos sobrenaturais que se acredita influenciarem o mundo de diversas maneiras. Os objetivos de abordar os efeitos da religião nos processos evolutivos urbanos, incluem estudar os reflexos ambientais de locais sagrados, e as maneiras pelas quais a religião influencia a vida silvestre urbana.
Por exemplo, o candomblé, uma religião politeísta trazida ao Brasil por africanos escravizados, sacraliza a natureza, o que leva ao ativismo ambiental entre seus praticantes, e à conservação de áreas verdes urbanas.
Culturas religiosas podem, portanto, promover interações entre humanos e biodiversidade urbana, levando a mudanças evolutivas nesta última: langures (espécie Semnopithecus entellus) são comuns em cidades indianas, onde suas populações são protegidas e alimentadas, pelo seu status de animal sagrado. Aqueles primatas são associados a Hanumam, divindade hindu com aparência simiesca.
Dado que as políticas globais, nacionais e locais são fundamentais para as sociedades humanas, os sistemas políticos moldam as políticas ambientais e o potencial das cidades para mudanças evolutivas. O Cinturão Verde Europeu é uma iniciativa que teve início com a dissolução da União Soviética. Este corredor percorre o mesmo caminho da Cortina de Ferro, inclui diversas cidades, e proporciona mais de 12.000 quilômetros quadrados de terras protegidas por onde a fauna silvestre pode circular, facilitando o fluxo gênico, ou seja, a movimentação de organismos e sua variação genética de um lugar para outro.
Em contraste, nos Estados Unidos, parques em bairros negros pobres tendem a ter menos árvores e mais espaços abertos, permitindo que a polícia monitore essas áreas. Considerando que parques urbanos abrigam muitas espécies silvestres nas cidades, o desenho de parques pode ter consequências de longo alcance para o fluxo gênico entre áreas verdes urbanas.
Bairros negros de famílias pobres nas cidades norte-americanas têm capacidade limitada para o suporte à biodiversidade, e seus moradores sofrem com o acesso reduzido à natureza e seus benefícios. Essa é a mesma realidade socioambiental das periferias urbanas do Brasil.
Mudanças na cobertura do dossel urbano em tempos de guerra são um exemplo do impacto severo da guerra, na biologia evolutiva urbana. Como a guerra interrompe os serviços públicos, as pessoas são frequentemente forçadas a buscar aquecimento, água e alimentos por meios alternativos. Por exemplo, durante o cerco à Sarajevo, que durou quatro anos, 75% das árvores urbanas foram cortadas para lenha.
A remoção de quantidades substanciais da cobertura vegetal de Sarajevo afetou a fauna que dependia das árvores, resultando na interrupção dos corredores ecológicos que facilitam o fluxo gênico.
Reconhecemos que grande parte da pesquisa sobre evolução nas cidades foi conduzida nos EUA e na Europa Ocidental. Esse viés precisa ser corrigido. Alcançar esse objetivo requer esforços globais em diversos campos científicos trabalhando juntos para determinar os impactos da religião, da política e da guerra na evolução e como esses fatores moldarão a trajetória evolutiva da vida selvagem urbana em cidades ao redor do mundo no próximo século.
Processos evolutivos urbanos são moldados por diferentes práticas religiosas, políticas e guerras. À luz das evidências atuais, instamos os planejadores urbanos a considerarem as interações evolutivas, especialmente para facilitar o fluxo gênico entre manchas de espaços verdes, o que maximizará o potencial evolutivo da vida silvestre nas cidades.
O planejamento da arborização com espécies de árvores que evoluíram e se adaptaram a estressores como a poluição, por exemplo, garantirá que áreas verdes persistam e forneçam serviços essenciais, como lazer e mitigação do calor, nas cidades brasileiras.
* Este artigo foi escrito a partir de colaboração entre os seguintes autores:
Elizabeth J. Carlen (Washington University, EUA)
Fabio Angeoletto (Universidade Federal de Rondonópolis)
Santiago Bonilla-Bedoya (Universidad Tecnológica Indoamérica, Ecuador)
Jennifer M. Cocciardi (University of Mississippi, USA)
Kiyoko M. Gotanda (Brock University, Canada)
Brian C. Verrelli (Virginia Commonwealth University, USA)
Megan Phifer-Rixey (Drexel University, USA)
Yuri Vergeles (O. M. Beketov National University of Urban Economy, Ukraine)
Matthew Wilhelm-Solomon (University of the Witwatersrand, South Africa)
Shannan S. Yates (Tulane University, USA)
Lauren E. Johnson (Washington University, USA)
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