
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
O recente acordo de cessar-fogo entre Israel e Hamas representa um raro instante de respiro em meio à devastação. Depois de anos de bombardeios, deslocamentos forçados e um número intolerável de mortos, o acordo oferece um mínimo de esperança. E no centro dessa trégua precária está o Qatar, um país pequeno, mas que ocupa uma posição singular no tabuleiro do Oriente Médio.
Não nos enganemos: na política e na guerra, todos conversam com todos; mesmo que publicamente se diga o contrário, mesmo que publicamente não se reconheça o direito de existir do opositor, mesmo que se rotule o opositor como terrorista, mesmo que a conversa aconteça enquanto as armas cospem fogo.
É no Qatar, ou através dele, que todos no Oriente Médio conversam com todos.
O Qatar abriga o escritório político do Hamas, e abriga também a Al Udeid, maior base militar dos EUA na região. Quando o conflito entre Israel e Hamas atingiu níveis insustentáveis, foi Doha quem manteve abertas as vias de comunicação.
Por isso, o ataque israelense em território qatari ameaçou gravemente esse equilíbrio instável, e a própria manutenção de um canal confiável de comunicação, indispensável para os interesses dos EUA na região. A resposta americana ao ataque de Israel ao Qatar foi imediata. O governo dos Estados Unidos passou, então, a exercer forte pressão diplomática sobre Netanyahu temendo que a escalada comprometesse seus próprios interesses estratégicos.
O episódio evidencia uma verdade triste: que esse tipo de acordo não nasce de gestos altruístas, ou preocupação genuína com dignidade e autodeterminação de um povo vítima de genocídio; mas de interesses convergentes.
É inegável que o cessar-fogo salva vidas e alivia o sofrimento civil. O Programa Mundial de Alimentos da ONU disse no dia 17, que levou cerca de 560 toneladas de alimentos por dia, em média, para Gaza, desde que o cessar-fogo entrou em vigor. Mas também é evidente que ele não resolve as causas estruturais do conflito: a ocupação, o bloqueio, a radicalização política e o colapso humanitário.
Celebrar a trégua é justo. Mas é preciso manter o ceticismo. O cessar-fogo é um ponto de pausa, não um ponto final. A proposta do governo americano prevê um governo internacional temporário, que seria chamado de "Conselho da Paz", chefiado por Trump, com outros membros e chefes de Estado incluindo o ex-primeiro-ministro do Reino Unido Tony Blair. Absurdo! Um retrocesso de 77 anos.
O protetorado de um império em decadência na região, o britânico, foi uma das causas da origem do conflito. Como, 8 décadas depois, um novo protetorado, de um império em decadência (agora, os EUA), pode ser a solução?
A paz só será possível quando o Estado Palestino Soberano e Laico for uma realidade. Até lá, o Oriente Médio continuará vivendo entre silêncios breves e ruídos duradouros.
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