Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Enquanto líderes mundiais se reúnem na COP 30, em Belém-PA, para discutir o futuro do planeta, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região decide um caso que revela a distância entre o discurso climático global e a prática jurídica nacional: a luta do povo Tremembé de Almofala, em Itarema, no Ceará, pela garantia de sua terra, contra a prática da grilagem.
De um lado do processo nº 0802634-17.2024.4.05.0000, a empresa Agrico Plantio S.A., busca anular o reconhecimento feito pela Funai em 1993, que delimitou a Terra Indígena Tremembé de Almofala. Alegando sobreposição com a Fazenda São Gabriel, a empresa tenta expandir artificialmente os limites de um imóvel cuja documentação é, segundo a Funai, frágil e incompatível com os registros históricos e cartoriais.
De outro lado, há um povo que ocupa e defende o mesmo território há mais de cinco séculos. Uma ocupação reconhecida, inclusive, pela ordem jurídica dos invasores, uma vez que há no processo uma certidão, de 02/06/1997, do Registro da Sesmaria doada pela Coroa Portuguesa aos indígenas Tremembé e registrada em Cartório em 1857 (Registro nº 695, de 18/03/1857), em cumprimento à Lei de Terras de 1850. A certidão atesta que as terras deixaram de ser devolutas e foram reconhecidas como de domínio legítimo do povo Tremembé.
Nossa Constituição reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e sobre as que são imprescindíveis à sua "reprodução física e cultural" e à preservação dos recursos ambientais. Uma formulação que rompe com a visão proprietária do solo e aproxima o direito da ideia de pertencimento ecológico, um vínculo que não é de domínio, mas de reciprocidade. Nesse sentido, o reconhecimento dos Tremembé é também o reconhecimento da própria natureza como sujeito de direito.
A luta dos Tremembé de Almofala expressa a urgência de um direito plural e intercultural, capaz de acolher cosmologias que entendem a terra como corpo e não como bem. Como ensina Ailton Krenak, primeiro indígena da Academia Brasileira de Letras, o colapso ambiental é consequência de uma humanidade que se apartou da Terra. Ao proteger os Tremembé, o Estado brasileiro não apenas cumpre a Constituição, mas afirma uma outra possibilidade de futuro.
Num momento em que o mundo fala em "transição ecológica", mas mantém intactas as estruturas de exploração, a defesa dos Tremembé de Almofala mostra que não haverá justiça climática sem justiça territorial. Reconhecer povos e natureza como sujeitos indissociáveis de direito é promover uma autêntica revolução copernicana no Direito, desconcentrando-o da figura humana isolada e reaproximando-o da sabedoria ancestral daqueles que ainda sabem habitar o mundo sem o devorar.
Adiar o fim do mundo, como propõe Krenak, começa por devolver a palavra, e a terra, a quem nunca deixou de pertencer a elas.
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