Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
Professor da Universidade Regional do Cariri (Urca) e advogado. Membro da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia
A aprovação, na madrugada de 10 de dezembro, do chamado PL da Dosimetria (PL 2.162/2023) é um símbolo perfeito da distorção política que a Câmara dos Deputados normalizou. Horas antes da votação, jornalistas que cobriam a atuação da polícia legislativa contra um protesto do Deputado Glauber Braga foram agredidos e expulsos do plenário por ordem da presidência da mesa diretora.
Entrará para a história, que justo no Dia Internacional dos Direitos Humanos, quando o compromisso institucional deveria ser o de reafirmar a proteção às garantias fundamentais, a Câmara escolheu a calada da noite para aprovar um texto que representa grave retrocesso jurídico e democrático.
O PL altera o art. 112 da Lei de Execução Penal e restabelece a progressão de regime após 1/6 da pena como regra geral. Embora apresente exceções, elas deixam brechas suficientes para beneficiar crimes de enorme gravidade social, como crimes contra a dignidade sexual e crimes contra a administração pública. Com a nova redação, autores de crimes que não se enquadrem formalmente como hediondos, poderão progredir de regime após cumprir apenas uma fração mínima da condenação. É um descompromisso explícito com a justiça e com a proteção das vítimas.
Sob falso pretexto de "pacificação", o projeto aprovado também suaviza o tratamento jurídico dos que atentaram contra o Estado Democrático de Direito. A nova redação proposta para o art. 359-M-A, do código penal, impede a cumulação das penas para crimes como golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito, diminuindo penas já aplicadas pelo STF.
Ainda pior, o novo art. 359-V reduz punições de um terço a dois terços quando os crimes forem cometidos "em contexto de multidão", precisamente o contexto dos atos golpistas. Trata-se, na prática, de uma anistia indireta, legislada a toque de caixa e na calada da noite.
O relatório do Deputado Paulinho da Força, vendido como "equilibrado" não resiste a qualquer análise séria. Não há equilíbrio quando a política se rende ao cálculo eleitoral e transforma o sistema penal em moeda simbólica para satisfazer golpistas. Não há virtude em legislar às pressas, na madrugada, atropelando o debate público e enfraquecendo a confiança nas instituições.
O PL da Dosimetria afronta a democracia porque reduz a capacidade do Estado de proteger a sociedade dos crimes mais repugnantes, enquanto entrega benefícios diretos a quem atentou contra a ordem constitucional. A madrugada de 10 de dezembro entrará para a história como o momento em que o Parlamento, pressionado e acuado, escolheu pagar o preço estipulado por Flávio Bolsonaro, caminhar para trás e arrastar consigo princípios que deveriam ser inegociáveis.
A ver como as ruas reagirão.
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