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Konatêyá e a deusa Nimba
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Konatêyá e a deusa Nimba

Tipo Crônica

Quem vê uma estatueta da deusa Nimba esculpida em madeira pode pensar que ela tem apenas a cor da madeira. Nos rituais em que, carregada por dançarinos, essa inspiração feminina do viver atua em forma de boneca gigante vestida de preto com saia de ráfia, é possível que essa falsa impressão se repita.

Mas no mundo das representações míticas os significados estão além do que simplesmente se vê. Sim, a deusa Nimba tem muitas cores, mas essas cores se manifestam quando saem da ordem individualizada e racional para assumir uma perspectiva mais diversificada e coletiva na experiência humana.

Na condição de filha e de representante legítima de uma parte muito pouco conhecida e lembrada do continente africano, a bailarina, cantora e compositora Fanta Konatê, da Guiné Conacri, oferece ao Brasil, que a acolheu duas décadas atrás, mais uma criação aflorada a partir do etos da sua terra.

Com a marca Konateyá, que tem como símbolo a deusa Nimba, a artista malinkê está lançando uma coleção de roupas multicoloridas, tecidas com a sabedoria ancestral, o respeito à natureza, a criatividade, a grandeza espiritual e a alegria dos tambores de todas as etnias que integram o oeste africano. As peças estão disponíveis no perfil @konateyá do Instagram.

Os motivos das estampas, dos cortes e dos modelos são variados. Alguns referem-se a lugares irmanados pela mesma latitude, a exemplo da bata e vestido Adis Abeba, e outros aos recantos de vizinhança dos Konatês, como o short Abidjan. A atitude da etiqueta estende-se ao ressoar do pensamento decolonial quando reflete no vestido-bata Bayfall aspectos da corrente sufi senegalesa voltada para a não-violência e a busca do saber.

Roupas, adereços e acessórios da Konateyá são desenvolvidos com temas que consideram a tradição, a arte, os valores, a técnica de fiar, os traços, as tramas e os tons dos povos da costa atlântica da Guiné. Tem vestido Solar de luminosidade africana, saia e blusa Saramayá, exaltando as pessoas admiradas pelo seu dom, e vestido Demissen, em alusão ao fato de todo adulto ter sido criança um dia.

Na arte da etnia Baga, onde se originou milênios atrás como deusa das cerimônias agrícolas, Nimba tem características antropomórficas: sobre a cabeça humana de longas tranças destaca-se uma crista que se levanta em situação de alerta e de excitação, como acontece com os pássaros; nos seios alongados, a referência de fertilidade e de cuidados com o desenvolvimento dos que acolhe no mundo; e, nas quatro pernas, o elemento animal.

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O conceito da marca Konateyá tem sustentação no jeito de perceber a vida e no modo de se organizar dos valores femininos. Deduzi isso após uma conversa que tive com a Fanta no domingo passado em que ela sintetizou a ideia-força desse trabalho com a seguinte frase: "Na minha terra ficar bonita é uma forma de dignidade". É nesse ponto que as cores saem de dentro da figura aparentemente monocromática da deusa Nimba, apontando para novas formas de abraçar o mundo.

Nimba é o feminino enquanto alma. Ela traz em seu simbolismo a mesma potência matricial encontrada na Pachamama dos povos andinos. É a representação da Mãe-Terra, uma deusa que gera, atua, coopera, compartilha e tece o destino da vida dos seres no universo. Mesclada com o sentido comunitário de Konateyá, essa deusa antiga e ao mesmo tempo contemporânea clareia a importância social da mulher

Foto do Flávio Paiva

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