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Banho de sangue na baía de Cabo Delgado
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Banho de sangue na baía de Cabo Delgado

Tipo Crônica

Na sexta-feira passada (25) foi realizada uma marcha pelo trajeto que liga a sede da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) à embaixada de Moçambique em Lisboa, com o intuito de pressionar o governo daquele país africano a pedir ajuda internacional no enfrentamento da descontrolada matança que vem ocorrendo na região de Cabo Delgado.

O movimento, intitulado "Salvar Cabo Delgado", escolheu a data de celebração da independência moçambicana, 25 de junho de 1975, para expressar repúdio à violência generalizada que tomou conta desse território rico em jazidas de rubi e que possui imponentes reservas de gás natural, mas onde predomina uma pobreza causticante.

Como se não bastasse essa matança fora de controle, Cabo Delgado registra a maior incidência de casos de Covid e de Aids em Moçambique, país acometido ainda por repetidas passagens de ciclones devastadores. Nessa província habitam mais de dois milhões de pessoas. E o pior é que Maputo, a capital, onde estão concentrados os poderes constitucionais do país, fica no extremo sul, a cerca de 2.600 km da zona de massacre.

Entre os manifestantes que buscam chamar a atenção para tantas mortes, além de raptos e cooptação de mulheres, crianças e jovens para as milícias, e que procuram meios para o restabelecimento das condições de segurança e da intensificação de ações humanitárias em Cabo Delgado, está o músico Costa Neto, que é moçambicano, radicado em Lisboa, e a cantora Elizah Rodrigues, brasileira que passou a infância em Moçambique.

A iniciativa dos que procuraram acionar a CPLP é um modo não geográfico de produzir retumbância global por meio desse conjunto-potência de origem linguística comum, do qual fazem parte Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste.

Os motivos da escalada sanguinária que avança em Cabo Delgado são complexos e requerem interpretações cautelosas. Entretanto, a descoberta em 2017 de grandes reservas de gás na região, que projetam a colocação de Moçambique atrás apenas do Qatar e da Austrália na produção mundial desse combustível, foi o estopim do banho de sangue atual.

A população estaria sendo chacinada por mercenários a serviço de transnacionais francesas, italianas, inglesas e estadunidenses que pretendem limpar a área para a exploração. As especulações consideram ainda que a geração de insegurança na região tem por trás o interesse do Qatar de seguir controlando esse mercado. Sem contar com as vantagens que isso traz a corporações de segurança privada sul-africanas, inglesas, canadenses e russas que atuam em Moçambique.

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Os ataques em Cabo Delgado passam também por questões étnicas, religiosas e por reações a expulsões de moradores sem indenizações para as instalações neocoloniais. Relatos mostram que é muito grande a insatisfação nativa com os poucos benefícios concedidos às comunidades locais. Inclui-se aí o descontentamento da vizinha Tanzânia, que reivindica receitas da exploração do gás na região.

Cabe lembrar, contudo, que foi em Cabo Delgado a deflagração da luta pela independência de Moçambique, conquista que só se concretizou uma década depois, em 1975. Ou seja, 46 anos é um tempo muito curto para os ânimos revolucionários se acalmarem, tendo em conta que nesse período aconteceu uma arrasadora guerra civil (1977 a 1992) que armou a população, fator que corrobora para incontrolável o derramamento de sangue que dilacera o país.

Foto do Flávio Paiva

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