Parece que não, mas há velórios que são encantadores pela força revigorante que exercem sobre nossas emoções e sentimentos. A vigília feita ao corpo do músico Tarcísio Sardinha na noite da segunda (25) para a terça-feira (26) passadas, no teatro São José, entrou para a minha galeria de boas despedidas de pessoas queridas.
O velório do meu pai Toinzinho foi surpreendentemente belo, com ele sobre uma cama na sala e crianças pegando em seu corpo para saber se era verdade que o senhorzinho que andava em um trator cor de laranja estava mesmo partindo. O fantástico sarau de adeus ao fotógrafo Maurício Albano também se deu lindamente em torno de uma cama, com comidinhas caseiras e música instrumental.
A despedida da Zivó, mãe da indigenista Maria Amélia, teve ares de cinema, com gatos passando o rabo suave e melancolicamente em ronda por seu caixão. Tal e qual foi a sentinela de Tarcísio Sardinha, com músicos chorões em volta do caixão, transformando o luto em palmas e sublimando a partida do querido artista em experiência musical.
O corpo inanimado do Sardinha mexia espiritualmente com os presentes em uma clara vibração simbólica de que a morte faz parte da consciência do fluxo da vida. A música, por sua vez, entrou em ressonância, e o velório deixou de ser perda para ser passagem. A essência da existência é estética.
O teatro tem gravado em seu palco, cortinas, paredes e mobiliário as emoções vividas por todas as pessoas que o frequentaram a qualquer tempo. Tudo sugere correspondências que se condensam para a formação de memórias.
O tom da música foi marcando o tom da ligação da natureza exterior com a interior, por meio de sons e palavras, iluminando a noite de abraços sonoros e corações pulsantes, propagando lembranças e perspectivas de um futuro de boas histórias vivenciadas para contar.
Por mais de quatro décadas desfrutei da amizade do Tarcísio Sardinha, com quem partilhei tantas produções culturais e uma meia dúzia de parcerias musicais. Foi lindo sentir o som do adeus de uma amizade que perdura como as nuvens do céu, que são sempre outras, mas nunca deixam de ser nuvens.