Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
A noção de que a música ao vivo em ambientes comerciais permite a cobrança de couvert artístico até existe, o que ainda falta nessa modalidade de serviço é transparência de como se dão as condições de trabalho de quem é profissional desse setor. A sociedade precisa saber que por trás dos ornamentos sonoros que aprecia há incontáveis casos de desrespeito, assédio e exploração agressiva.
São muitos os tipos de estabelecimentos comerciais que oferecem o trabalho presencial de cantoras, cantores e instrumentistas: bares, restaurantes, churrascarias, praças de alimentação, lanchonetes, barracas de praia, casas de diversão, cabarés, boates e clubes, entre outros. Com isso, procuram oferecer atrações ao vivo como um valor, ou pelo menos como sinal de que dão importância ao que virou moda chamar de 'experiência do cliente'.
Poucos empresários desse ramo parecem se dar conta de que o cliente está mudando e cada vez mais tende a querer saber de onde vêm os produtos que consome e como se dão as relações nos serviços pelos quais paga. Nessa perspectiva, o Sindicato dos Músicos Profissionais no Estado do Ceará (Sindmuce) vem fazendo articulações por uma nova lei estadual do couvert artístico, que contemple parâmetros justos de remuneração, condições adequadas de trabalho e a consideração devida aos direitos do consumidor.
A lei vigente (nº 15.112/2012) tem brechas que permitem constantes usos da posição desigual de negociação por parte de contratantes desse serviço artístico, ao não obrigar, por exemplo, que o repasse do valor arrecadado com o couvert artístico seja integral. Esse tipo de flexibilização de pagamento em uma situação de fragilidade da parte do artista somente favorece a condicionante de base das sociedades marcadas por vícios de servidão: "Se não quer, tem quem queira".
Isso faz com que esse debate traga à tona não somente aspectos voltados à música e à condição do músico, mas também à precarização do trabalho na economia da cultura e do turismo. A atração artística está no eixo central de movimentação e de sustentação dessas atividades, todavia é como se não passasse de uma prestação de serviço informal, desprezível, sem valor percebido ou mensurável.
Por ser intangível, a música ao vivo, mesmo contribuindo para o faturamento e a reputação dos estabelecimentos comerciais, tocando os presentes com maior ou menor intensidade, acaba sendo empurrada pelos usurpadores dessa mão de obra para a vala comum da conceitualização de trabalho improdutivo. Entretanto, os contratantes sabem que não dá para questionar a validade da execução presencial da música como liga sonora de emoções, paixões e memória na esfera do consumo nesses ambientes.
Esses vínculos de humanidade vão além dos momentos de música ao vivo. A prova disso é que a história da música popular está cheia de casos de artistas que começaram tocando na noite. Adriana Calcanhotto, Baden Powell, Caetano Veloso, Cartola, Di Ferreira, Erasmo Carlos, Evaldo Gouveia, Gaby Amarantos, Jorge Ben Jor, Luedji Luna, Luiz Gonzaga, Maria Bethânia, Milton Nascimento e Tom Jobim são alguns dos muitos nomes de épocas, estilos e alcances diferentes que ilustram essa galeria.
Tudo isso mostra o quanto é fundamental o fortalecimento dessa célula mater de desenvolvimento da música, com o aumento do setor de serviços e sua função pendular na sociedade de conteúdos. Neste caso, a questão do couvert, não só como taxa de atração artística, mas como elemento significativo de uma nova morfologia laboral, é emblemática na construção de uma mentalidade embasada de fato na valorização das pessoas como princípio de gestão inteligente na lógica contemporânea entre o mercado e a sociedade.
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