Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Na capital da República Tcheca as construções são grandiosas e notáveis. A cidade de 1,3 milhões de habitantes, fundada no século IX e solenemente atravessada pelo rio Vlrava (Moldava), tem um extenso e belo conjunto de prédios históricos e culturais, que liga a terra ao céu por meio de suas torres, cúpulas e monumentos góticos e barrocos, tendo como pináculo o impactante Castelo de Praga.
Em meio a esse gigantesco patrimônio arquitetônico, existe um ponto minúsculo na Cidade Nova (edificada em 1348) que tem porta de entrada na calçada da rua Národní 20: o Black Light Theatre Srnec (teatro de luz negra Srnec). Esse endereço é compartilhado com o Reduta, o mais antigo clube de jazz de Praga. Ao final da escada comum, é só descer mais alguns batentes à direita para chegar à pequena sala mágica de 95 lugares.
Na noite em que estive lá, brilhava o espetáculo "Antologia", montado em uma hora e meia de duração com enquetes representativas da trajetória de mais de seis décadas dessa companhia que criou e popularizou esse tipo de perfo rmance teatral, e que é uma das experiências de entretenimento mais exitosas do país. Na plateia, turistas e gente local, adultos e crianças, dando risadas juntos e interagindo com atrizes e atores.
A performance - sem o uso de palavras - do teatro de luz negra de Praga nasceu quando a República Tcheca ainda integrava a Tchecoeslováquia: uma fusão compulsória com a Eslováquia feita em 1918 por questões geopolíticas, que foi dissolvida em 1992 com o fim do controle soviético sobre os países do leste europeu. Essa foi a maneira que o encenador Jirí Srnec (1931 - 2021) encontrou para divertir livremente as pessoas numa época em que a criação artística era fortemente vigiada.
Srnec, o criador dessa técnica teatral, e que dá nome à companhia e à casa de espetáculos, partiu do princípio de que o olho humano não é capaz de enxergar o preto sobre o preto. Juntou a isso o recurso da luz negra (blacklight), cuja lâmpada bloqueia a radiação da luz visível e emite luz ultravioleta, que, por sua vez, é invisível aos olhos, refletindo nas superfícies claras e fazendo com que os objetos postos em cena se destaquem isoladamente no ambiente escuro.
Trata-se, portanto, de um espetáculo de ilusões com base em um fenômeno ótico produzido pela combinação de fundo negro e luz negra; técnica que agrada a adultos e crianças pela leveza, pelo humor e pela fantasia. As enquetes têm enredos simples, fáceis de serem assimilados, porém necessitam de atores, dançarinos e mímicos talentosos para uma execução que fascine e que seja capaz de produzir a impressão de que objetos ganham vida e passam a flutuar pelo palco.
O teatro de luz negra, em caixa cênica de puro breu, com atrizes e atores que se revezam em vestes pretas (tornando seus corpos e movimentos invisíveis contra o fundo escuro do cenário) e com realce fosforescente dos objetos, é muitas vezes erroneamente confundido com os tradicionais teatros de sombras orientais. Ambos trabalham com a linguagem não verbal da animação projetada no jogo de sombra e luz, mas são técnicas bem distintas.
Com a eliminação da percepção das atrizes e dos atores vestidos de preto, que atuam sem serem vistos, a plateia enxerga simplesmente a fosforescência dos objetos e adereços iluminados com luz negra e o grupo de artistas que usa vestes comuns. A cada esquete, como é possível nos sonhos, roupas se divertem na corda bamba do varal, malas brigam por importância e engolem umas às outras na própria competição e, entre outras fantasias oníricas, um bêbado dança com postes duplicados por sua própria embriaguez. É tudo tão perto dos sonhos que só dá vontade de acordar na hora de aplaudir.
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