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Arte de rua em Dresden
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Arte de rua em Dresden

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As cidades que me chamam a atenção de modo especial me levam a pensar sobre o que nelas pode ser atribuído a si mesmas e o que faz parte de historicidades mais amplas. Tocado pelo que encontrei em Dresden, diria que a visão de mundo daquela cidade alemã, capital da Saxônia, se conecta com as demais cidades do país que foram reconstruídas após serem bombardeadas na Segunda Guerra (1939 - 1945), mas que os padrões de comportamento com relação a esse passado têm personalidade própria.

Essa constatação vem do que observei das práticas culturais de Dresden em seus espaços públicos, principalmente com relação à plasticidade da cartografia local, resultante de uma elaboração urbanística definidora do sentimento requintado do lugar. Eles transformaram o que se passou em substâncias que deram um novo sentido de destino ao lugar, no qual a confluência da imaginação com a inventividade aplica-se diretamente em sua realidade objetiva.

Dotada de arte pública com signos em abundância, a estrutura territorial de Dresden comunica a todo momento que ali a educação estética é coletiva e gratuita. O acesso à arte está posto nas ruas como um direito trançado nas diferenças. A educação do olhar também é do sentir. Em vista disso, a maneira como o lugar se apresenta influencia mutuamente o jeito de pensar e de agir dos seus habitantes, temperando a fibra dos vínculos sociomorfológicos da vida urbana.

Em julho passado, quando estive lá de férias em família, os dias estavam ensolarados e longos, o que nos possibilitou desfrutar tranquilamente da riqueza comum e complementar da Cidade Antiga (Altstadt) e da Cidade Nova (Neustadt). Chegamos a Dresden de trem, em uma imponente estação construída em 1898 e refeita várias vezes, sendo a última em 2006, quando a cidade, hoje com 550 mil habitantes, comemorou oito séculos de fundação.

Ficamos em um hotel ao lado dessa estação, na parte sul da Altstadt. Andamos a pé por toda aquela área de deslumbrante arquitetura barroca, que teve igrejas, casa de ópera, esculturas e palácios reerguidos com base nas suas referências originais. Tão impactante quanto aqueles prédios e monumentos é olhar para eles sabendo que tudo aquilo foi refeito de quase nada. Foi por essas ruas de pedra que deparamos com o mural Procissão dos Príncipes (Fürstenzug), uma obra de arte pública com mais de cem metros, pintada no século 19, em porcelana.

Atravessamos a ponte (Augustus Brücke) sobre o rio Elba e, do lado da Neustadt, tudo era diferente, porém movido pela mesma compleição de lugar que valoriza o espaço público. Por mais de 400 metros caminhamos em uma larga rua de pedestres (Hauptstrasse) lindamente arborizada, com plátanos fantasiados de bonecas e personagens alegóricos, ladeada por prédios residenciais de cinco andares, com pequenas lojas e cafés no térreo. Nesse trajeto, vimos um simpático teatro de rua e crianças em divertido banho em uma das mais de 300 fontes da cidade.

Pela rua Alaunstrasse, cheia de bares, cafés, lojinhas e muito grafite nas paredes, chegamos a uma passagem (Kunsthofpassage) que liga à rua Görlitzer, também marcada por pequenos recantos especiais. A parte interna da quadra, que antes servia apenas como atalho, foi toda tematizada por intervenções de grande expressividade artística, e funciona como uma galeria cultural ao ar livre, com bistrô, café, sorveteria, livraria e loja de artesanato.

É muito agradável sentir os ares daqueles pátios em que uma girafa feita com revestimento de pedras abocanha parte do verde do prédio, engelhando a parede; no qual onduladas e douradas chapas metálicas refletem raios solares sobre o amarelo da fachada; e onde um prédio em tons de azul, exibe uma parafernália de canos e bocas de aço que, quando chove, tornam-se calhas sonoras. É o espírito de Dresden inspirando a matéria.

 

Foto do Flávio Paiva

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