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Irmãos Grimm e a esperança no fantástico
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Irmãos Grimm e a esperança no fantástico

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Tipo Crônica

A chegada na casa-museu onde passaram a infância os irmãos Jacob (1785 - 1863) e Wilhelm Grimm (1786 - 1859) pareceu algo familiar para mim, por ter o desprendimento das moradias interioranas. O portão estava aberto. Da calçada avistei no jardim uma escultura da Princesa e o Sapo. Ao lado, fixado no muro de pedras, o selo Literaturland (País da Literatura). Mais acima, a placa Brüder Grimm-Haus (Casa dos Irmãos Grimm) com o nome da cidade, Steinau, e a indicação de que é um Museum.

Logo adiante estava, em chapa de metal recortado, um totem formado pelo Burro, pelo Cachorro, pelo Gato e pelo Galo, uns nas costas dos outros (nessa ordem), quarteto conhecido mundialmente como Os Músicos de Bremen (também como Saltimbancos) e admirado por simbolizar grupos sociais explorados e maltratados que decidem se unir em busca de uma vida melhor. Na sequência, a casa de chocolate onde João e Maria vivem o conflito entre sedução e frustração, e os Sete Anões, amigos imaginários da órfã Branca de Neve.

No interior do casarão, salas coloridas expõem fragmentos da vida e da obra da dupla, com originais publicados em muitos idiomas diferentes, imagens da família, ilustrações de livros, a estampa de uma nota de 1000 marcos alemães (moeda substituída pelo euro em 2002) com foto de Wilhelm e Jacob, a cozinha com utensílios e móveis originais, um pequeno auditório e, entre outras, a escultura em bronze do Flautista de Hamelin e as crianças enfeitiçadas, partindo sem volta para um lugar desconhecido.

Os irmãos Grimm viveram em uma época e um lugar em que prevalecia o chamado nacionalismo romântico, em contraponto à formação social determinada pelos impérios e reinados. A busca pela sabedoria da cultura oral era uma maneira de valorizar a visão popular. Foi assim na Itália, com Giovanni Straparola (1480 - 1557), que introduziu o elemento fantástico em seus escritos (bela, fera, rei porco...), e com Giambattista Basile (1566 - 1632), que recolheu da tradição oral e dirigiu às crianças contos como Rapunzel e outras narrativas de bosques, cavalarias e seres extraordinários.

As balizas dessa prosa e poesia sedimentadas no imaginário de muitos povos tiveram na França a popularização das fábulas por Jean de La Fontaine (1621 - 1695) e a apresentação desses contos como gênero literário por Charles Perrault (1628 - 1703), a exemplo de Chapeuzinho Vermelho e O Pequeno Polegar. Os irmãos Grimm beberam nessas e em outras fontes camponesas e também nos relatos de criadas e babás que moravam nas casas de classe média e da aristocracia europeia.

Ao colherem, catalogarem e espalharem contos milenares da oralidade, reflexos de experiências e sentimentos profundos, os Grimm contribuíram para dar o tom da alma humana, sua consciência de existir e seus motivos para viver. Diferentemente da literatura infantil instrumental, bastante comum nos dias de hoje, que prima pela racionalidade formadora, o que muitas vezes deixa crianças e jovens esvaziados de liberdade imaginativa, ao serem voltados para o público infantil esses contos proporcionavam segurança emocional.

A visita à morada de infância dos irmãos Grimm reforçou em mim a convicção de que a educação nunca deveria desinteressar-se da literatura que abre espaços de imaginação, repercutindo na autonomia das pessoas de qualquer idade. Os pensamentos precisam brincar. É assim que os contos de Jacob e Wilhelm dizem para mim que a escuta da esperança se dá na frequência do fantástico e da fantasia, e não com base na razão e na lógica. Saí do museu e as pedras da rua onde eles brincaram e por onde iam para a escola pareciam suspender os meus pés.

Foto do Flávio Paiva

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