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Domingo na Feira de Messejana
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Domingo na Feira de Messejana

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Tipo Crônica

O tráfego entre as barracas de rua estava bem apertado para automóveis, quando vi um veículo estancar. Rapidamente as pessoas que ali passavam trataram de dar um jeito de o carro voltar a circular entre bicicletas, motos, carrinhos-de-mão e gente a pé. Essa situação deixou-me tomado de curiosidade, por sua dupla motivação moral e prática: de um lado, a solidariedade entre os que têm necessidades sociais assemelhadas e, de outro, a objetividade funcional de um sistema de comércio popular que precisa ter suas vias desobstruídas para poder funcionar.

É impressionante a conduta de lateralidade praticada nesse ambiente caracterizado por movimentos de percepção sincronizada. A dinâmica do todo depende da atenção de cada um no que concerne ao que se move lado a lado. Comentei o que presenciara com o ativista social Adalberto Alencar, 63, diretor-presidente da Cepema (Fundação Cultural Educacional Popular em Defesa do Meio Ambiente), durante a visita que fizemos domingo passado (24) à Feira de Messejana, em Fortaleza.

Adalberto está trabalhando na conceituação de um documentário sobre essa feira iniciada na década de 1940, e que ele define como uma expressão da inteligência econômica popular, um lugar onde todo mundo se junta para comprar de todo mundo. Ele tem também uma memória afetiva dos sítios daquele território habitados por seus pais e familiares. O desafio é como tratar em imagens e palavras a sofisticação e a complexidade dessa trama sem depor contra o belo que a constitui.

A Feira de Messejana é o maior complexo de venda de alimentos, produtos de medicina natural, vestuário, utilidades domésticas e serviços diversos da Região Metropolitana de Fortaleza. A organicidade dessa dimensão multimercado atrai o olhar de Adalberto Alencar pelo que ele chama de eficiência organizacional econômica, estruturada sem contratação de formuladores de planos de negócios ou consultorias. Isso inclui aspectos logísticos, de design, de cores, estampas e cortes, recursos de vendas e o uso do espaço como elemento essencial.

Tudo acontece englobando o mercado público, sua praça e ruas do entorno, com uma inusitada integração com a estrutura lojista de conhecidas empresas locais e nacionais. Esse compartilhamento de ganha-ganha permite que um pequeno estúdio de pé de muro ofereça corte de cabelo a R$10,00, enquanto ao lado um salão de beleza cobre R$ 40,00. As pessoas escolhem com naturalidade se comem por R$ 70,00 ou por R$ 5,00. Tem par de havaiana por R$ 45,00 e somente o cabresto do chinelo para trocar, custando R$ 2,00. Redes bonitas e coloridas podem ser adquiridas por R$ 60,00 ou R$ 180,00.

Caminhar pelos labirintos da Feira de Messejana é também uma experiência estética. Cada barraca tem o seu quê de instalação artística. Mas Adalberto observa que nada ali está apenas para ser exposto. E é isso mesmo, não há nada naqueles conjuntos de mercadorias que seja representação, tudo é real, seja o estabelecimento com ampla variedade de pescados e frutos do mar ou o vendedor de traíra que fica na calçada. Adalberto apontou para biquaras e cangulos frescos, peixes que às vezes se pensa que não existem mais.

A ideia de feira tende a remeter esse tipo de entreposto comercial livre ao passado, mas Adalberto Alencar refuta essa percepção, argumentando que esses feirantes não estão isolados do mundo contemporâneo. Na vizinhança das casas de ferragens ou de venda de fava, estão pontos de conserto de iPhone e até um empório com produtos de marca, ar-condicionado e salão de festas. É a Feira de Messejana, lugar de comer, cortar o cabelo, fazer as unhas ou simplesmente passear, conversar e dar ao cérebro a oportunidade de viver a céu aberto.

Foto do Flávio Paiva

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