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Barbatuques é uma atitude perante a arte
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Barbatuques é uma atitude perante a arte

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Tipo Crônica

Tirar sons do corpo com as mãos é uma brincadeira de infância que atravessa os tempos e está presente também na cultura espontânea e lúdica do mundo adulto. Essa prática de musicalidade instintiva foi sistematizada e ganhou um método musical criado pelo compositor e arte-educador paulistano Fernando Barba (1971 - 2021), dando origem há 25 anos ao grupo de percussão corporal Barbatuques.

O grupo, cujo nome foi inventado para ressoar os 'batuques do Barba', seguiu pesquisando, em diversas fontes, essa forma de fazer música, tornando-se referência mundial nessa técnica e estética de extração e jogo de sons. Foi assim que fez encaixes da percussão de corpo com percussão vocal e sapateado, explorando livremente ritmos, grooves, timbres, fonemas e melodias nos campos artísticos e pedagógicos.

Quem foi ao Theatro José de Alencar no último final de semana, teve a oportunidade preciosa de ver, ouvir e interagir com o Barbatuques em duas apresentações e uma oficina. A passagem por Fortaleza integra a turnê de comemoração dos 25 anos dessa orquestra de corpo, patrocinada pelo projeto Petrobrás Cultural em 15 cidades brasileiras. Casa cheia, da plateia à torrinha, fazendo jus a um espetáculo musical e tecnicamente impecável.

É incrível como o grupo sustenta a cumplicidade do público por uma hora, com música instrumental de corpo, algumas falas, solos vocais e projeções, auxílios pontuais de um violão e duas flautas. A ocupação humanizada do palco, a luz na medida certa, o figurino em preto teatral com discretos ornamentos coloridos e os preenchimentos de sons em conformidade com todo o ambiente dão ao espetáculo a alta sofisticação que a simplicidade requer.

O que se pôde apreciar ali foi um jeito brasileiro único de batucar a universalidade do corpo e dos sons, na dança das palmas, dos estalidos de línguas e de dedos, das batidas no peito, no rosto e nas pernas, dos vácuos de boca, assobios e outros sopros sonoros, com repertório atemporal, próprio para a brincadeira de atitude livre desse fenômeno cultural percutido em gente, no si mesmo, pelo entreter orgânico do corpo instrumento, do corpo brinquedo que todo mundo um dia brincou.

Cada música é um testemunho de brasilidade harmoniosa e original, estendida desde "Baião Destemperado" (Fernando Barba) até "Carcará" (João do Vale). Nesse leque de sons, eles interpretaram obras tradicionais, como "Peixinhos do Mar" (Domínio Público), e outras contemporâneas, a exemplo de "26" (André Hosoi), feita para Fernando Barba, e, claro, o hit "Baianá", adaptação do Barbatuques para "Boa Tarde Povo", da mestra Maria do Carmo Barbosa e Melo (1913 - 2000), obra-prima do reisado alagoano.

O Barbatuques é uma atitude perante a arte como processo, e não como resultado a qualquer custo. Sua gênese no idioma da infância, que é o brincar, e no comportamento lúdico, que está na essência de todo ser humano, possibilita que cada integrante do seu coletivo exercite o próprio fazer arte com estado de espírito solto, o que vai ao encontro do público e volta como um joão-teimoso recriando a brincadeira percutida em seu vaivém.

A variedade de gestos, expressões e movimentos de impacto no próprio corpo, que se assiste no espetáculo do Barbatuques, está nas lembranças de brincadeiras como "Escravos de Jó", "Palminha de Guiné" ou "Adoletá, lê pêti, pêti pô lá", e também no ato percussivo natural do adulto brincante. Assim, esse conjunto de simbolizações aproxima artistas e público por sublimação lúdica, gerando uma atmosfera de familiaridade centrada no gesto-prazer e na coconstrução sensorial e motora da diversão.

Foto do Flávio Paiva

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