
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Frente a uma obra de arte, que gosto de contemplar espontaneamente, é comum sentir a sensação do que ela me traz e para onde me leva. Neste ano em que Aderson Medeiros (77 anos) comemora seis décadas como artista visual orgânico, revisitei algumas de suas criações e esse sentimento de aragem estética, confirma a vitalidade de sua grandeza original.
O espanto diante de cada pintura, desenho, gravura e escultura de Aderson Medeiros permanece o mesmo ao longo dos anos. Ele trata simultaneamente o real, a realidade e o sonho, em um tempo presente que nasce a todo instante; daí a sua contemporaneidade.
O mundo que o rodeia tem o filtro da simbologia carregada pela criança que ele foi; nascida em Fortaleza no Dia de São Francisco (4 de outubro) e que se encontrou com a energia impactante dos ex-votos em idas com a família a Canindé, onde acontece a segunda maior romaria do Santo da Natureza em todo o planeta.
A arte de Aderson Medeiros é feita pela completude de substâncias espaciais e vivenciais em camadas antropomórficas, com tempos e planos para além do que revela. Sua fonte é a peça artesanal de cura que as pessoas de fé entregam nos lugares sagrados, a título de voto cumprido, pagamento de promessa ou agradecimento por graças alcançadas.
Foi liberando sentidos não religiosos de ex-votos de madeira, que Aderson Medeiros passou a evocar exclamações silenciosas entre corpos e graças divinas na relação de personagens humanos e seu meio. Essa manifestação do que não há como dizer de outra maneira deu a ele o lugar de premiado artista, catapultado para o mundo pela conquista dupla do primeiro Prêmio Nacional da Bienal de São Paulo, em 1972 e 1974.
Aderson Medeiros e seus personagens imagéticos têm em comum a cor terracota e ocre fosco; o durável e impermeável tom cerâmico da sequência genômica da arte nordestina. O belo na obra desse artista com traços de índio fugidio e bigode lusitano vem das mensagens de familiaridade e distanciamento afirmadas nessa textura simbólica.
Quando o convidei para fazer as ilustrações do meu livro "Mobilização Social no Ceará - 16 anos de tentativas e 1 promessa de diálogo" (Ed. Demócrito Rocha, 2002), ele deu um show de técnicas variadas. Pintou figuras femininas e crianças em sanguínea francesa, misturou pastel e acrílica na tela de famílias trabalhadoras sem-terra, fez grafismo em nanquim, montou instalações com telas preenchidas por cabeças de ex-votos e, também com ex-votos e tecido de estopa, construiu a imagem de um filho abraçado ao seio da mãe ao lado de uma mesa com pratos de argila vazios.
A força da composição na obra de Aderson Medeiros, que tem o claro e escuro do ser humano totêmico e cores do seu lugar vivido, funcionou também na impressão em preto e branco, tanto nas páginas do livro, que teve ainda instalação de tijolos sem argamassa e camisas de time de futebol com números de partidos políticos, quanto na capa, para a qual utilizamos a obra "Repórter" (1974), que tem rosto feito de ex-votos e uma orelha livre.
Aderson Medeiros tem uma especial dedicação à arte e ao artesanato popular. A trajetória do casal Aderson e Anna Medeiros, como artistas e pesquisadores, sugere que viver é a arte de ser arte na vida. Na década de 1980, eles participaram da montagem do Centro de Cultura Popular Mestre Noza, em Juazeiro do Norte, e, nas últimas três décadas, na praia do Balbino, onde moram, atuam em um projeto de artesanato comunitário de coco, unindo arte, gastronomia, verde, família e amizades.
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