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O forró no ecossistema cultural de Fortaleza
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

O forró no ecossistema cultural de Fortaleza

Diferentemente das demais capitais nordestinas, Fortaleza desenvolveu-se preponderantemente a partir do fluxo socioeconômico do interior para o litoral
Em 24 de junho se celebra São João Batista, figura central da festa que movimenta o mês com forró, fogueiras e tradições por todo o Nordeste (Samuel Setúbal/O POVO) (Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Em 24 de junho se celebra São João Batista, figura central da festa que movimenta o mês com forró, fogueiras e tradições por todo o Nordeste (Samuel Setúbal/O POVO)

Todo período junino gera em mim uma nostalgia futurista relacionada a essa festa popular composta por uma variedade expressiva de sotaques de música e dança presentes no âmbito da cultura fortalezense. Fico a pensar no tanto que a Cidade poderia elevar seu potencial cultural e turístico se organizasse esse campo de sentido.

Diferentemente das demais capitais nordestinas, Fortaleza desenvolveu-se preponderantemente a partir do fluxo socioeconômico do interior para o litoral, resultante dos ciclos do gado e do algodão, entre os séculos XIX e XX. Entre os elementos culturais presentes nesse deslocamento, destaca-se a linguagem do forró.

No litoral, o forró ambientou-se facilmente com as horas diárias de noite e dia, com o fole das ondas do mar e com as carícias do vento constante e suave. Sentiu-se em casa, porque fazia parte das pessoas que o apresentaram à intimidade cultural da vida urbana, ampliando assim o significado de entrega nas festanças da cidade.

Em seu vigor atemporal, o forró tradicionalizou-se em uma rede de vínculos formada por pessoas que não conseguiam viver sem "forrozar". A espontaneidade relacional gerada pelo forró impregnou os hábitos locais com seus múltiplos referenciais. Isso porque música e dança coexistem nessa festa cheia de cores, lembranças de cheiros, paisagens e horizontes do sertão.

Fortaleza cresceu e o forró é uma opção fluída e arejada em seu ecossistema cultural. Contudo, as estruturas de valorização das manifestações populares cederam às pressões do mercado de entretenimento de massa, e o forró raiz foi sendo desprezado enquanto oferta de atração na metrópole.

Sempre imaginei que uma programação conceitual de forró poderia ser desenvolvida em Fortaleza, aproveitando a variedade de estéticas forrozeiras perdidas na interioridade cultural da Cidade. A possibilidade de copresença de diversos tipos de forró na sagração das muitas vozes de Fortaleza é real; basta examinar a riqueza de seus subconjuntos. A título de ilustração, organizei uma dúzia de sotaques cearenses de forró.

1) Forró de Cego Oliveira, tendo como base a rabeca, instrumento melódico de origem persa que está na pré-história do forró; 2) Forró Pé de Serra, a tradicional festa de sanfona, zabumba e triângulo; 3) Forró de Xerém, com pegada caipira, invenção do artista que primeiro gravou uma música com a palavra forró no título, "Forró na roça", de 1937, parceria com Manuel Queiróz; 4) Forró de Humberto Teixeira, louvação ao compositor cearense que, ao lado do cantor pernambucano Luiz Gonzaga, inventou o baião; 5) Forró de Balanceio, um recanto dedicado a essa música de aconchego fortalezense criada por Lauro Maia em parceria com Aleardo Freitas; 6) Forró Carimbozado, experiência do "Forró do Fico", que fiz em parceria com Orlângelo Leal em reverência aos mestres da cultura popular paraense, tão presentes no ir e vir amazônico dos cearenses;

7) Forró de Messias Holanda, exaltação ao cantor da música bem humorada e de refinado duplo sentido; 8) Forró de Coco de Embolada, espaço para o desafio ao sabor de improvisos e batuque de pandeiro; 9) Forró de Xote, ambiente voltado para destaque do ritmo mais próximo do coração e do arrasta-pé cearenses; 10) Forró de Rap, aproximação desses gêneros rural e urbano em forma de crônica de cunho social; 11) Forró de Boca, canto coral performático do maestro Erwin Schrader; e 12) Forró Instrumental, num diálogo da Cidade com grandes sanfoneiros de qualquer lugar do mundo. Ah, Fortaleza!!!

Foto do Flávio Paiva

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