Logo O POVO+
À luz de Fanon
Foto de Flávio Paiva
clique para exibir bio do colunista

Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

À luz de Fanon

Nos dias de hoje, quando países se movimentam pela multipolaridade, ao passo que o império branco estadunidense insiste desesperadamente em forçar a humanidade a aceitá-lo como mandante único da ordem global, é fundamental a leitura de autores como Franz Fanon (1825 - 1961), pensador martinicano cujo centenário está sendo comemorado pelos que se empenham pela reestruturação do mundo.

Fanon, de ancestralidade africana, nascido na classe média de uma colônia francesa e psiquiatra formado na Faculdade de Medicina de Lyon, produziu uma obra descolonial e antirracista basilar a partir da sua experiência como soldado do exército francês na Segunda Guerra (1939 - 1945), diretor do Hospital Blida-Joinville, na Argélia, e ativista na guerra de independência (1954 - 1962) daquele país norte-africano brutalmente agredido pelo colonialismo.

O seu primeiro livro "Pele preta, máscaras brancas" (Ubu, 2025), publicado originalmente em 1952, trata colonialismo e racismo pelo viés do inconsciente. A dificuldade de existir em um mundo estruturado por valores alheios, impostos por massacres e aniquilamentos, resultou em anseios enlouquecedores de pertencimento. "Para o negro, existe apenas um destino. E ele é branco", diagnosticou Fanon.

O autor escreveu esse livro como um estudo clínico, sem intenção de que ele guiasse o mundo que o sucederia. "Pertenço irredutivelmente à minha época. E é para ela que devo viver (...) Tendo em vista nossa origem antilhana, nossas observações e conclusões valem apenas para as Antilhas". Como um clássico, a obra de Franz Fanon foi além do seu tempo e território, tornando-se uma excepcional contribuição às atuais questões decoloniais e por igualdade racial.

Ele aborda com maestria o fenômeno da linguagem, e faz isso de uma maneira tão atrelada aos rumos das ideias que me levou a pensar em colorismo idiomático. Diz ele: "O negro tem duas dimensões. Uma com seu semelhante e outra com o branco". E complementa, tendo como base suas pesquisas no universo do domínio francófono: "Aquele que se exprime bem é quase um branco". A literatura da Martinica serviu de reforço aos seus argumentos sobre essa alienação do branqueamento.

Do poeta e romancista René Maran (1887 - 1960), lançou mão do protagonista do livro "Um homem como outro qualquer" (1947), em que um jovem antilhano, mesmo habituado aos costumes europeus, não consegue se relacionar amorosamente com uma branca. Como se não entendesse a sua raça e os brancos não o entendessem, vivia, portanto, um drama comum às pessoas pretas: "incapaz de se integrar, incapaz de passar despercebido".

Da escritora Mayotte Capécia (1916 - 1955), Fanon analisa o livro "Eu sou martinicana" (1948), que aborda o sonho da mulher negra de buscar um pouco de brancura em suas origens, um recurso de salvação na conquista de um parceiro branco. Comenta o orgulho da escritora quando esta relata a descoberta de que a avó era branca. Como alternativa, propõe a luta pelo reconhecimento da essência negra e das suas culturas na história.

Na condição de intelectual, lutou para que as pessoas negras procurassem conhecer o máximo que pudessem das realidades econômicas e sociais para poderem escapar das armadilhas coloniais e sua epidemia simbólica. Defendia que esses esforços de emancipação deveriam estar atrelados à negação do poder do dinheiro e da linguagem, dois dos principais responsáveis pela submissão. Isso está valendo, e muito, para a ação das raças não-brancas na geopolítica mundial.

 

Foto do Flávio Paiva

A soma da Literatura, das histórias cotidianas e a paixão pela escrita. Acesse minha página e clique no sino para receber notificações.

O que você achou desse conteúdo?