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Na terra de Nelson Mandela
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Na terra de Nelson Mandela

Tipo Crônica
Nelson Mandela foi um dos famosos que ganharam o Prêmio Nobel (Foto: ALEXANDER JOE / AFP)
Foto: ALEXANDER JOE / AFP Nelson Mandela foi um dos famosos que ganharam o Prêmio Nobel

Comecei a sentir de fato que estava na terra de Nelson Mandela (1918-2013) quando caminhei pelas ruas históricas da cidade de Soweto, onde ele morou e iniciou sua militância contra o Apartheid, sistema de segregação de pessoas negras instituído em 1948 pelos descendentes holandeses (bôeres) e que durou até 1994, quando Mandela foi eleito o primeiro presidente negro da África do Sul.

Aquela área, distante 25 quilômetros de Joanesburgo, era habitada por trabalhadores das minas de ouro e de carvão. Com o regime de apartação, o lugar foi ocupado por gente não-branca (negros, mestiços e asiáticos) expulsa de suas casas localizadas em áreas que vieram a ser reservadas para brancos. Essa população despejada passou a morar em barracos improvisados e em "matchbox houses" (caixa de fósforo), como eram chamados os cubículos dos conjuntos habitacionais.

Pela movimentada rua Vilakazi, onde viveram Mandela e o também ativista Desmond Tutu (1931-2021), pude observar apresentações de danças nativas, feirinha de artesanato e vendas de comidas típicas africanas. Foi ali, no restaurante Sakhumzi, que comi umas boas colheradas de umngqusho, um prato da etnia xhosa, preparado com milho seco triturado e feijão, igual ao nosso mungunzá salgado. Dizem por lá que era o preferido de Nelson Mandela.

Foi comer e seguir a pé para o museu Casa de Mandela. Nas paredes externas ainda existem marcas de balas e fuligem de incêndio dos atentados que ele sofreu. Internamente, a atmosfera da vida íntima daquele que foi o mais admirável líder político do século XX. Seis quadras depois chegamos ao memorial Hector Pieterson, construído em deferência ao garoto de 12 anos assassinado pelas forças de repressão no Massacre de Soweto (1976), que matou 176 estudantes que protestavam contra a obrigação de estudar o idioma dos tiranos (africâner) e diante das péssimas condições das escolas para negros.

Da praça do memorial contemplei as torres de resfriamento da termelétrica que fornecia energia aos bairros de brancos quando o Soweto foi criado. Aquelas estruturas, que tanto mal causaram à saúde da população negra com a emissão de gases tóxicos, foram desativadas e transformadas em coloridos murais de arte urbana retratando cenas da vida cotidiana local. A noção do todo, no entanto, foi experienciada no impactante Museu da Apartheid, em Joanesburgo, e preparou o meu olhar para apreciar outras cidades e partes da zona rural da África do Sul.

A terra de Mandela é um mundo rico, embora com sua abundância ainda concentrada nas mãos de uma minoria branca local e estrangeira que representa apenas 8,4% de uma população de 62 milhões de habitantes, dos quais 80,2% são negros. Em todo caso, ficamos hospedados em um hotel de dono negro, administrado e mantido por pessoas negras e com maioria de hóspedes negra. Antes de 1994, quando Mandela foi eleito presidente, era impensável alguém não-branco entrar naquele recinto.

Reduzir as desvantagens históricas geradas pelo colonialismo de povoamento holandês e pela exploração dominadora britânica tem sido um processo difícil e lento. Mas vi crianças negras e brancas brincando ao lado da estátua de nove metros com Mandela saudando a África do Sul, em Tshwane, onde fez o seu discurso de posse em 1994, na cidade ornamentada de jacarandás brasileiros. Sua face está em todas as cédulas de Rand, tendo no verso o elefante, o leão, o rinoceronte, o leopardo e o búfalo, seres que movem o imaginário do continente africano rumo ao próprio destino.

Foto do Flávio Paiva

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