
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Cria é uma maneira afetuosa de tratar filhas e filhos. No Rio de Janeiro há um grupo de música infantil com esse belo nome, CRIA, que tem como princípio artístico respeitar crianças e adultos em uma produção envolvente voltada para interações parentais. Em seu terceiro álbum, "Eu e Você" (Biscoito Fino, 2025), a banda carioca traz composições autorais do diretor Vinícius Castro, feitas a partir de sua relação com a filha Letícia.
A proposta de uma música infantil cogeracional, com sistemas de representações da infância de todo mundo e com todo mundo junto, é muito boa, haja vista que a mediação dos sons e das palavras com a realidade acontece em um clima descontraído no campo de abordagens e valores da diversidade etária e suas mútuas e múltiplas influências. Nada como o campo performático da canção para equalizar processos cognitivos e metafóricos que regem a conduta de mães, pais, filhas e filhos.
Para gerar essa ambiência de complementaridades e trocas de emoções, imaginações, sentimentos concretos, intuições e raciocínio lógico, o CRIA trabalha com baião, samba, maracatu, frevo, bolero, ciranda e outros ritmos de sonoridades atraentes. O grupo é formado por Ayran Nicodemo (violino), Fred Cavaliere (clarinete), Gustavo Pereira (voz e violão), Luiza Sales (baixo), Maíra Martins (voz), Mateus Xavier (bateria) e Vinicius Castro, cantor, compositor, guitarrista e produtor musical.
O álbum "Eu e Você" coloca à disposição dessa brincadeira de cantar e de dançar as crianças que foram e os adultos que são as artistas e os artistas Ana Costa, Fernanda Takai, Juliana Linhares, Leo Jaime, Leoni, Moska, Roberta Sá e Zé Renato. Do universo sensível da vida infantil, a participação especial é do coro de meninas e meninos do Colégio São Vicente de Paulo, do bairro Cosme Velho.
A capa, com letras de arte em papel da designer Natasha Gompers (Selográfico), dá o tom visual para a experiência que a obra oferece. Algumas músicas falam de encantamentos da natureza, como voar, bater as asas e ecoar ("Passarinho"), e de indagações sobre temas da vida dos animais não humanos, como, por exemplo, o entendimento do galo acerca do relincho do cavalo ("A língua dos bichos"). Outras canções refletem necessidades, impedimentos e atos de desejos insistentes, comuns aos comportamentos cotidianos da intimidade familiar.
O recurso do jogo de palavras, próprio para instigar perguntas, está presente em uma típica melodia de paixão popular, cuja letra diz assim: "Às vezes o que a gente sente / Não faz sentido / Mas faz sentido" ("As emoções"). Esse recurso de desvio do significado literal dos termos aparece de outra forma na poética da faixa título: "Quando eu me vi no espelho / Com você no meu colo / Levei um susto tamanho / Não acreditei nos meus olhos / Eu vi meu pai brincar comigo / Mas era eu e você" ("Eu e Você").
Mesmo sendo discursiva, a cantiga que encerra o álbum ("Calma"), interpretada pelo coro infantil, tem a força delicada da ingenuidade da criança que ainda não conta com os elementos indispensáveis para discernir os assédios hedonistas e individualistas dos tempos atuais, mas que, na partilha da fruição estética, pode despertar junto com o adulto que a ama. No primeiro momento, a letra ensina: "Calma, gente / Não é preciso estar um passo à frente (...) Nem tudo tem que ser uma competição". Depois, alerta: "É preciso ser criança enquanto é tempo". Este verso diz tudo!
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