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Fattú Djakité e a emancipação feminina
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Fattú Djakité e a emancipação feminina

Uma das vozes femininas mais poderosas da música africana na atualidade ressoa para o mundo a partir da ecozona continental da Guiné-Bissau e do território vulcânico insular de Cabo Verde. Fattú Djakité, 34 anos, ativista do autocuidado, da autoestima e da emancipação de mulheres africanas, vem cruzando novas fronteiras com o single "Badja Tina" (Diego Neves, Fattú e Ryan Helal), música-manifesto contra o casamento infantil e o abuso sexual, ainda presentes em muitos países.

Intensa, poética e inspiradora, com essa música ela traz aos agitos contemporâneos da agenda sociocultural um sentimento profundo de memórias e de relatos da oralidade. Quando canta "Suma burbuleta / Suma Karabá", ela estremece os espíritos adormecidos, como uma mariposa bailarina espantando o mau agouro hereditário da misoginia e, na pele de uma feiticeira, buscando tirar o espinho do patriarcalismo cravado em suas costas.

A lenda do oeste africano que foi fonte para o belo filme "Kiriku e a Feiticeira" (1998), do diretor franco-argelino Michel Ocelot, é revisitada musicalmente por Fattú Djakité, que nasceu e passou parte da infância em Bissau, para mostrar que o segredo da maldição em Karabá está na libertação das deusas feridas em tantos e diversos contextos que ainda aceitam a violência contra a mulher, seus desejos e direitos.

Mergulhada nas origens, a cantora procurou respirar os ares da Dança da Tina, uma espécie de desabafo compartilhado, feito tradicionalmente por mulheres guineenses descontentes na situação de poligamia. Inicialmente, elas entoavam cantigas improvisadas quando iam lavar roupa no rio; depois, passaram a acompanhar o cantar umas das outras fazendo a percussão na cabaça que utilizavam para pegar água.

Com o tempo, essa catarse praticada em grupo de mulheres (mandjuandadi) incorporou temas da política e da economia, passando a assumir um lugar de referência na cultura popular da Guiné-Bissau em forma de coletivos femininos, dos quais participam também homens cúmplices na luta pela igualdade de gênero e por justiça social. A tina tornou-se um estilo musical, sem, no entanto, perder a função de transmitir mensagens sobre

coisas que incomodam.

Badja quer dizer dançar. Tina é uma dança, um instrumento e um gênero musical. Fattú Djakité, uma grande cantora. "Badja Tina", uma composição bonita, forte e ardente, com letra que expressa a vontade de viver sem amarras: "I misti badja tina" (Eu quero dançar tina). Uma combinação perfeita para a popularização em escala internacional. E tem vídeo nas mídias digitais, produzido pelo marido Dieg, músico de Cabo Verde, país onde residem.

A indumentária utilizada por Fattú no videoclipe dessa tina é uma reverência a Olinka Pampa, rainha matriarcal da Ilha de Orango, que viveu na passagem do século XIX para o XX, e que por duas décadas (1910 a 1930) liderou o povo Bijagó em ações de fortalecimento da transmissão dos saberes, no processo de abolição da escravatura e na construção de um acordo de paz para deter o controle colonial português na Guiné-Bissau.

Nessa gravação, Fattú Djakité usa saias de fibras de rafia trançadas e com coloração castanha feita a partir de argila. Uma pequena no pescoço e a outra da cintura para baixo. Separando as duas, uma cinta de contas vermelhas e uma banda de pano também da cor vermelha, decorada com espelhos redondos, com tiras largas que caem sobre a saia. Nos tornozelos, o Sadjo, instrumento popular feito de sementes, que marca e amplia o ritmo. Descalça, sentindo o chão!

 

Foto do Flávio Paiva

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