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Pelo mapa dos reinos africanos
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

Pelo mapa dos reinos africanos

Tipo Crônica

A cartografia política do continente africano, elaborada arbitrariamente pelos países imperialistas europeus no final do século XIX, apresenta 54 países. Esse desenho artificial recente esconde cinco mil anos de história registrada, em que reinos significativos e o pensamento africano contribuíram para moldar a história mundial.

No livro "Grandes Reinos da África" ("Great Kingdoms of Africa", 2023), o jornalista e escritor britânico John Parker organiza uma coleção de ensaios, escritos por historiadores africanos e não africanos, que abordam formas fluidas e inovadoras com que diferentes grupos étnicos das diversas geografias do continente organizaram estados expansionistas, desde o Antigo Egito e a Núbia até o mais recente reino Zulu.

A obra tem como campos de acontecimentos as fronteiras imprecisas dos desertos, sua zona de transição para as savanas (o Sahel), pastagens, florestas, montanhas e planaltos, com identidades fisicamente entrelaçadas por rios e lagos, estruturas urbanas e produção de arte. São nove regiões-chave, em que o editor destaca momentos distintos da dinâmica de centenas de reinos grandes e pequenos e as peculiaridades de seus processos históricos.

É encantadora a imersão que se pode fazer nesses ensaios. Muitas informações mexeram comigo durante a leitura. O duplo Reino de Kush, que teve nubianos como faraós do Egito (747 a 664 a.C.), além do cuidado com a cultura imaterial e com a arquitetura das dinastias anteriores, deu espaço ao papel feminino, através da ação política de rainhas-mães e princesas sacerdotisas. Essa era uma prática na Núbia do Reino de Kerma (2500 a 1500 a.C.).

Três estados sucessivos do Sahel - Gana, Mali e Songai -, que existiram entre os séculos XIII e XVI, impressionam por seus métodos de governança e estrutura social. Ponto principal de trânsito para o ouro da África Ocidental, esses reinos expansionistas souberam administrar interesses entre os grupos étnicos da região e a presença muçulmana. A carta fundadora do estado do Mali estabelecia direitos e obrigações das comunidades autônomas agrupadas, com imposição de limites ao poder real.

Na região onde encontramos os fósseis humanos mais antigos e onde nasceu o café, a invenção da escrita acadêmica e litúrgica data do século IV a.C. Esse é o incrível reino da Etiópia, um lugar que, por não ter sucumbido ao colonialismo europeu, inspirou outras nações africanas a adotarem as cores de sua bandeira - verde, amarelo e vermelho - após conquistarem a independência. São também as cores do príncipe (Ras) Tafari que se tornou salvador dos povos negros de todos os lugares.

No capítulo que fala dos reinos Iorubá e do Benin (Daomé), nota-se o impacto profundo que essa zona cultural multiétnica teve na formação de identidades africanas da diáspora nas Américas, com suas coroas de contas franjadas, seus orixás (deuses) e o ilê (família). A sofisticada organização política iorubá (XV ao XIX) tinha como regra a não interferência direta do poder central nos negócios internos das cidades. Apesar de sagrado, se o Oba (rei) fosse injusto, poderia sofrer sanções.

O aspecto da ancestralidade ativa é bem evidenciado nas páginas que discorrem sobre o Reino do Congo, estado de floresta da África Central, com domínios abrangendo Angola. O equilíbrio de gênero no poder é realçado no Reino Buganda, da região dos grandes lagos. E segue com o Reino Huaça, o Califado de Sokoto, o Reino Asante e o Reino Zulu, o qual, mesmo perdendo suas terras para a colonização branca (1878), segue, como os demais, presente na indomável cultura africana.

 

Foto do Flávio Paiva

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