Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
          Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
            Era muitas vezes uma amizade que virou parceria musical independente e foi se encontrar em um ponto do infinito. Em transe e em trânsito, estão lá, como protagonistas de um espetáculo ceno-musical, o compositor, cantor e ator Arrigo Barnabé, o baixista Paulo Lepetit (direção musical), o guitarrista Jean Trad e o baterista Marco da Costa, integrantes da banda Isca (de Polícia), em visita transcendental ao compositor e cantor Itamar Assumpção (1949-2003).
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O Cineteatro São Luiz abriga esse momento em que "Arrigo Visita Itamar" no próximo domingo, 9 de novembro, às 18 horas. São atos telepáticos, palpitantes e performáticos de música e teatro liberadores de endorfina por meio de vibrações e cintilações revigorantes de obras que irrompem dos poros da arte, transmudando cenários e percursos, em impulsos e rebotes da consciência de que o destino não passou.
No palco, Arrigo escreve uma mensagem de afeto não datado para Itamar, em que a dor perpassa campos de identificação e reflexão. O pianista utiliza uma velha máquina de datilografia, que 'imprime enquanto digita'. Na década de 1980, quando esteve no Theatro José de Alencar, lançou mão desse recurso de pressionar as teclas para chamar a letra de "Medroso de Amor (Moreninha)", entoar sua melodia e entrar em contato com o maestro cearense Alberto Nepomuceno (1864-1920).
Uma característica bem própria desse show é que ele não é passado, nem relembrança; é a vanguarda paulista seguindo em frente, seguindo à frente, longe de linearidades das tendências musicais e suas obsolescências programadas. Em pleno capitalismo de nuvem, onde o usuário funciona como servo na produção de conteúdos, "Arrigo Visita Itamar" traz o Itamar do Beleléu / Nego Dito e da Caixa Preta / Pretobrás, em um repertório 
 de preciosa permanência.
Na atemporalidade do encontro estão composições de Itamar ("Fico Louco", "Mal Menor e Noite Torta"), parcerias dele com Paulo Leminski ("Dor Elegante") e com o próprio Arrigo ("Oh Maldição"). A interdependência da dramaturgia é enriquecida com canções de outros autores brasileiros, sambistas que sentiram na própria pele as dores da discriminação racial e que foram gravados por Itamar Assumpção.
De Nelson Cavaquinho (1911-1986): "Sei que amanhã / Quando eu morrer (...) Alguns até vão querer me homenagear / Fazendo de ouro um violão (...) Por isso é que penso assim / Se alguém quiser fazer por mim / Que faça agora"; de Ataulfo Alves (1909-1969): "Sei que vou morrer, não sei o dia / Levarei saudades da Maria / Sei que vou morrer não sei a hora / Levarei saudades da Aurora (...) Mas o meu nome ninguém vai jogar na lama / Diz o dito popular / Morre o homem, fica a fama".
As presenças de Nelson e Ataulfo na visita ajudam a mexer com quem se interessa pelo ambiente da produção e do consumo de arte; essa dor cultural resultante das manipulações curatoriais e de marketing que muitas vezes isolam a multiplicidade de seres que compõem, tocam e cantam com espíritos livres. O espetáculo "Arrigo Visita Itamar", com sua originalidade avançada, está no plano das razões que levam artistas a serem honestos com seus próprios sentimentos e com a arte que oferecem ao público.
O enredo desse espetáculo tem no abraço de Beleléu (Itamar) com Clara Crocodilo (Arrigo) o seu clímax. É o momento da convergência vertiginosa dos condenados à marginalidade pela cor com os necessitados submetidos à prestação de serviço sem vínculo empregatício formal. Juntas, as bocas das duas obras espumam de realidade. Sonzeira!!!
 
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