Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Por esses dias vi um reels do Falcão no programa da Patrícia Abravanel (SBT) cantando "A letra X da palavra love" (Falcão e Tarcísio Matos). Nos comentários, escrevi assim: "É comovente o enorme esforço desse rapaz para honrar o seu love story". Realmente, argumentos como "Tantas vezes eu deixei de morrer pra você não ficar viúva" são enternecedores!
Existem umas músicas que vão e voltam; outras que voltam e vão; e, assim, posteriormente, depois ou atrás, o amor se move em suas diversas facetas. Essa canção de sentimentalismo popular foi gravada no álbum "Sucessão de Sucessos Que Se Sucedem Sucessivamente Sem Cessar" (2014), e agora se mostra novinha em folha, abalando emoções de empatia amorosa em tom quase antropológico da relação dinâmica dos efeitos linguísticos e de sestros artísticos do que seria o amor.
Muitas vezes não se sabe, mas, em silêncio, músicas de poética espirituosa como essa saem inspirando corações tocados pelo cupido, embora nem sempre com expectativas alcançadas. O poeta mineiro Lucas Teixeira publicou um livro com o título "A letra X da palavra amor" (2017), e em um dos poemas desabafa: "Eu pensava que você pensava que eu pensava em você/ E que logo, de alguma forma você pensava em mim/ Dando-me a entender que certamente/ Havia algo entre nós/ Mesmo que este algo fosse uma enorme distância.../ Certamente/ Algo entre nós/ Já era" (p.24).
Nesse vaivém amoroso, a letra X do nome Falcão é o X da questão, com sua engenhosidade metalinguística conectando o verso "Você é o que sobrou do que nunca houve", com o título "O amor que antes de ser já era", canção do álbum "Bonito, Lindo e Joiado" (1992).
Por isso, e não necessariamente por isso, em "A letra X da palavra love" ele e o Tarcísio Matos definem: "Você para mim é a vírgula antes de um zero", como se quisessem quantificar a representação do inexistente.
O cantor e humorista emprega a sintaxe da centralidade do amor para deixar claro que a coisa é internacionalmente séria: "Love story, my darling/ How do you do/ Outros chamam my love/ Mas pra mim você é you". Para deixar o verbo mais compulsivo e profundo, recorre a "Only You" (Ande Rand/ Buck Ram) como música incidental, esse grande sucesso da metade do século passado que rodou o mundo nas vozes do grupo estadunidense The Platters, tendo inúmeras regravações.
O exagero gasoso dessa canção cavilosa e cheia de arabescos retóricos é digno do alto romantismo que cega o amor em cantorias de assum-preto, com o perdão eterno de Humberto Teixeira e Luiz Gonzaga por essa analogia. Talvez seja melhor, ou não, observar a ferramenta irônica utilizada por Tarcísio e Falcão em "A letra X da palavra love" na perspectiva foucaultiana de biopoder, uma vez que o amor malicioso de mercado fragiliza os usos, abusos e indiferenças do consumo do corpo no domínio da condição humana.
O que pode parecer uma inadequação vocabular que beira a ignorância pode também ser percebido como uma adequada maneira de cantar com inteligência as graças da fatalidade amorável. Há de se imaginar que o protagonista chegou a ir às vias de fato com o substantivo ou o adjetivo da sua parceira ou do seu parceiro, ao afirmar que "Na matemática do amor/ Você é o 6 de um 69".
O pressuposto que embasa essa obra é que somente alguém descarado é capaz de declarações tão tergiversantes. Quando os autores empregam essa metáfora cômica, revelam que, mesmo não estando escrita, existe a letra X na palavra love. O que está ausente é a afetividade nas relações. E isso não se pode negar.
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