Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros
Em menos de três meses, milhares de manifestantes foram às ruas de cidades brasileiras demonstrar repulsa à atuação de políticos que manipulam as competências da Câmara Federal por meio de ações de interesses próprios e antidemocráticos. Foi assim em 21/09, quando a pressão popular reverteu os atos da PEC da Blindagem, que pretendia proteger políticos bandidos de processos criminais, e em 14/12, domingo passado, visando dar um basta no PL da Dosimetria, ardil parlamentar voltado à redução das penas de golpistas condenados, favorecendo a impunidade de detratores da democracia e do Estado Democrático de Direito.
A propriedade institucional brasileira, que evitou a volta da ditadura, bem como essas demonstrações públicas com força para alterar a rota desviante do campo político, são valores admiráveis da democracia no País. Isso em um tempo em que a democracia liberal vem perdendo mundialmente sua característica de ordem centrada no Estado para um processo de funcionalidade policêntrica fortemente dominado por corporações transnacionais detentoras de um poder financeiro maior do que o PIB de muitas nações.
Os analistas políticos alinhados com as correntes antidemocráticas aproveitam para dizer que o Brasil tem uma democracia pífia. Entretanto, vê-se também um tanto de pessoas tentando defender a evolução do sistema democrático com argumentos de que temos uma democracia frágil, sem se dar conta de que esse tipo de capitulação acaba autorizando as mentes autoritárias a se animarem na promoção de desconfiança nas instituições. A crise é de representação, haja vista que o Congresso Nacional está cheio de falsos políticos atuando contra a população e contra o País.
Toda democracia está em permanente ajuste com relação aos avanços ou retrocessos sociais. Todas têm falhas em suas dinâmicas. Cabe à cidadania estar atenta quando a política sai de si, trai a sua essência e passa a se alimentar do agenciamento da antipolítica. Percebo um deslize da nossa filosofia política quando seu foco está na estrutura, e não na compreensão do seu funcionamento. É neste ponto que os argumentos que enaltecem as imperfeições democráticas fortalecem o que negam.
Tratam a política e a antipolítica como se a gramática dos estudos científicos se limitasse à concentração ideológica em extremos opostos. É diante desse contexto reducionista que o filósofo napolitano Roberto Esposito propõe que se olhe para o impolítico enquanto categoria crítica. Para ele, o impolítico é o que existe de profundo na relação entre individualidade, coletividade e política, e que, mesmo não sendo percebido, atua nos movimentos internos da sociedade.
No livro "Categorias do Impolítico" (Autêntica, 2019), Esposito reúne pensadores de diferentes épocas para revelar o quanto o impolítico difere da política e da antipolítica pelo seu viés de realidade colocada no próprio âmago político. A antipolítica é uma maneira de fazer política contrapondo-se a ela, mas utilizando os mesmos instrumentos, no tempo em que nega o conhecimento como maneira de despotencializar a democracia e a emancipação social.
A democracia brasileira tem atravessado esse tempo de negação e apropriação por ter uma gênese empírica fundada no impolítico, que, mesmo não se desconectando da política, desenvolve-se em espaços próprios da realidade das pessoas e suas comunidades. E o impolítico é naturalmente uma oposição a todo e qualquer modo de despolitização e decomposição humana presa a ruínas civilizacionais.
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