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O humano em aventura histórica turca
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Flávio Paiva é jornalista e escritor, autor de livros nas áreas de cultura, cidadania, mobilização social, memória a infância. Escreveu os livros

O humano em aventura histórica turca

Tipo Crônica

Há um bom tempo estou vendo a série turca Dirili: Erturul (2014), ficção histórica produzida pela televisão turca (TRT 1) e distribuída pela Netflix. Muitos aspectos me atraem em seus episódios, de cinco temporadas. Um deles é o fato de as atrizes e os atores serem da Turquia e de o modelo mental da produção ser turco, mesmo quando eles parecem inserir cenas de aproximação com o que seria um gosto ocidental. A legenda em português deixa a desejar, inclusive por alterar de uma temporada para outra a grafia dos mesmos termos. Esses são detalhes observáveis, mas que não tiram o valor da obra.

O que essa série, ambientada no século XIII, tem de melhor é a exploração profunda das forças e das fraquezas do ser humano, algo muito necessário para o mundo atual, em que os assuntos e os modos tribais mais sórdidos, como a microconspiração política, a traição familiar, a ambição individualista e a indecência covarde, vieram à tona. Tudo isso tem um paralelo no caráter edificante, sustentado pela tradição muçulmana dos Ouzes, os ancestrais das tribos nômades que àquela época vagueavam em busca de terra para viver, enfrentando todo tipo de inimigo e de adversidades naturais dos diversos lugares para onde migravam.

O protagonista Erturul (1198 - 1281), interpretado pelo ator Engin Altan Düzyatan, é um guerreiro da tribo Kay, originária do Irã. Lealdade, fé, justiça social e compromisso com o propósito de construir um lugar de importância civilizatória para os turcomanos são os principais valores defendidos e praticados por esse guerreiro incomum, cuja visão ia além das tendas da sua tribo, buscando alcançar um lugar ao sol para o mundo muçulmano. Assim como na história real, Erturul é o terceiro filho de Suleyman Shah e Hayme Hatun, líderes de sua tribo, e seu terceiro filho Osman I (Otman I), com a sultana Halime, do Império Seljúcida, foi o fundador do Império Otomano.

A palavra Otomano vem de Otman, o descendente de pastores nômades e de tecelãs, criador de um estado imperial que governou o Oriente Médio, o norte da África e o sudeste da Europa de 1299 a 1922, tendo, em 1453, tomado Constantinopla (Istambul) dos bizantinos, feito determinante para o desenvolvimento das grandes navegações e, consequentemente, para o choque de civilizações entre europeus e habitantes das Américas. Na série, é claro o desdém praticado por muitos dos detentores dos poderes estabelecidos para com as lideranças nascidas sem terra e sem representações nos palácios.

Filmada em uma área rural localizada nas proximidades de Istambul, a saga de Erturul e dos que acreditam na justiça de sua espada e na sua convicção de destino acontece na Anatólia e no Oriente Médio, remetendo o telespectador a um período importante da construção do estado turco e da narrativa islâmica. Como no deslocamento arriscado das caravanas pelas estepes, essa série fala da necessidade que os povos têm de se reinventarem para conquistar aquilo a que se propõem. Não é à toa que o título da série é Dirili (Ressurreição).

Nesse erguer-se depois de abatido está a essência das lutas contra mongóis, cavaleiros templários, exércitos bizantinos e dores de amores. O ressurgir das desgraças em Dirili: Erturul só é possível porque os Kay contam com líderes seguros, guerreiros destemidos, mulheres firmes, dervixes dedicados, contadores de histórias e poetas que dão sentido aos 99 nomes de Allah. 

Foto do Flávio Paiva

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