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Julgando o livro pela capa
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Professora em MBAs de Marketing do IBMEC Business School e da Unifor. Consultora na Gal Kury Marketing & Branding.

Gal Kury opinião

Julgando o livro pela capa

Em tempos de câmeras onipresentes e redes sociais convertidas em vitrines identitárias, o ato de carregar um livro, ou ser flagrado com ele, comunica muito além do conteúdo que a obra oferece
FORTALEZA-CE, BRASIL, 19-08-2025: Na foto, o escritor, Douglas Franklin, com o seu livro
Foto: FERNANDA BARROS FORTALEZA-CE, BRASIL, 19-08-2025: Na foto, o escritor, Douglas Franklin, com o seu livro "As Cartas Que Te Escrevi e Nunca Te Enviei". (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O que significa, hoje, ser visto lendo? A leitura, que por tanto tempo foi um gesto íntimo e silencioso, parece ter ganhado um novo papel: o de performance pública. Em tempos de câmeras onipresentes e redes sociais convertidas em vitrines identitárias, o ato de carregar um livro, ou ser flagrado com ele, comunica muito além do conteúdo que a obra oferece. Trata-se de uma construção de imagem, de um discurso visual cuidadosamente editado, onde o livro funciona como signo de quem se é ou de quem se deseja ser.

É nesse cenário que a leitura se torna performativa, que tem até um nome para isso: performative reading. Não importa exatamente o que se lê, nem se realmente houve a leitura. Importa como aquele livro aparece em cena, com quem, em que contexto, qual a estética envolvida. Emma Watson, por exemplo, é frequentemente fotografada com títulos feministas nas mãos, reforçando seu posicionamento como figura pública engajada, intelectualizada, consciente.

Já Kendall Jenner, modelo mais associada ao universo fashion e ao entretenimento foi pauta de debate ao surgir com The Story of Philosophy de Will Durant, num gesto que parecia buscar legitimação simbólica. O livro, ali, não era um objeto de leitura, mas um artefato de imagem. Hoje, o Instagram e o TikTok amplificam esse fenômeno.

Leituras do mês, mesas de cabeceira, cliques espontaneamente calculados. Rooney sinaliza sensibilidade moderna; Ocean Vuong evoca sofisticação literária. E quando aparecem biografias de figuras inspiradoras, o gesto é de alinhamento: compartilhar valores, projetar admiração, reposicionar-se no imaginário coletivo.

O sociólogo Pierre Bourdieu já falava do capital cultural como forma de distinção. E hoje, essa distinção se manifesta visualmente, nos cliques de paparazzi e nos posts de Instagram. O "momento leitura" se desloca do íntimo para o público. É uma leitura que não precisa acontecer, basta parecer.
E nesse jogo, talvez nunca tenhamos julgado tanto um livro pela capa ou melhor: pela persona que o carrega.

Foto do Gal Kury

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