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Ciência e política continuam a pelejar
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

Ciência e política continuam a pelejar

Tipo Opinião
Ilustração de MIguel Nicolélis ao lado de uma célula do novo coronavírus (Foto: Carlus Campos)
Foto: Carlus Campos Ilustração de MIguel Nicolélis ao lado de uma célula do novo coronavírus

O cientista Miguel Nicolélis, estrela do comitê técnico instituído pelo Consórcio do Nordeste para assessorar os governadores da região no combate ao novo coronavírus, está se tornando uma pedra no sapato do governador Camilo Santana e do prefeito de Fortaleza, Roberto Cláudio, mesmo que não pareça ser essa a intenção dele. O que acontece é que se trata de uma fonte acreditada para o debate, com muita voz na imprensa nacional e que está utilizando-a para explicitar uma contrariedade objetiva do grupo com as iniciativas dos governantes, daqui e de outros estados nordestinos, de começarem já o processo de flexibilização da quarentena.

"Não é hora", esgoela-se o cientista paulista, professor de universidades nos Estados Unidos e reconhecido como uma grande autoridade médica global contemporânea. A posição é do comitê, não individualmente dele, e foi passada aos governadores, que decidiram ignorá-la, como acontece no Ceará, onde em algumas cidades se caminha para uma terceira fase, de cinco previstas, rumo a volta à normalidade.

Nicolélis parece assustado com o que está acontecendo e teme os resultados futuros, embora, sendo justo, a carga mais pesada de suas críticas tenha como alvo preferencial Brasília e o governo Bolsonaro. A falta de uma coordenação nacional para as ações de combate à doença está sendo determinante para o seu avanço no País, conforme avalia. Quase apocalíptico, Nicolélis prevê que o que acontece hoje caminha para ocupar lugar na história como uma tragédia, a ser contada mais adiante.

Camilo desconversa, recusa-se a oferecer respostas diretas aos questionamentos do grupo de cientistas e, basicamente, mantém o discurso de que no Ceará, especialmente em Fortaleza (que foi o nosso epicentro e tem estatísticas entre as piores do padrão nacional), as decisões estão todas baseadas em orientação dos técnicos que atuam dentro do governo desde o começo da crise. Pode ser, mas ter um contraponto do tamanho de Miguel Nicolélis é um problemão para qualquer governo, especialmente quando o discurso oficial é de que as decisões estão sendo tomadas com responsabilidade, em bases técnicas e com respeito à ciência.

Do silêncio à euforia

Jair Bolsonaro precisou chegar ao 3º andar do Palácio do Planalto, de onde despacha hoje como presidente da República, para reconhecer a importância da transposição do rio São Francisco, para esta parte do Nordeste onde estamos, pelo menos. Na ocasião em que anunciou a vinda ao Ceará no próximo dia 20, sábado, para entregar trecho concluído da obra, valeu-se até do batido, e correto, argumento de que um sonho de mais de 500 anos está se materializando.

Gesto de grandeza? Sem chance

Por enquanto, o pessoal do PT cearense dá risada com a contradição, pois não há registro do parlamentar Bolsonaro defendendo a polêmica obra iniciada ainda no primeiro governo Lula e que ele agora aparece tratando como "sonho histórico". Seria bom, mas é improvável, que o presidente, na inauguração, fizesse justiça com o petista ou com Ciro Gomes, que como ministro tocou a parte mais delicada do projeto, que foi a inicial. Citando-os, apenas.

Um reacerto no horizonte

Presidente do PT de Fortaleza, o vereador Guilherme Sampaio tem críticas fortes à gestão Roberto Cláudio (PDT), mas, admite: um segundo turno que tenha do outro uma força que represente o projeto nacional inevitevalmente levará petistas e pedetistas de volta ao mesmo palanque.

A imposição no orçamento

O deputado Audic Mota (PSB) tenta resgatar projeto seu de 2015 que estabelece o Orçamento Impositivo no Ceará, ou seja, exige que o Executivo seja obrigado a pagar todas as emendas apresentadas e aprovadas pelos parlamentares. Tem lá uma série de regramentos, definição de setores que obrigatoriamente devem ser contemplados e se estabelece um parâmetro de 0,9% das receitas estaduais.

Governo atua, no silêncio

A matéria foi recolocada em pauta na semana passada, avançou rápido porque logo se percebeu ter muito apoio entre os deputados, até que se fez uma intervenção para ganhar alguns dias de conversa com o governo. A promessa é de que volta já na próxima sessão, mas a firme oposição governista indica dificuldades à frente. O argumento do Palácio é frágil ao considerar a medida desnecessária porque Executivo e Assembleia vivem um momento de grande harmonia. Hoje pode ser, mas o amanhã quem garante?

O cargo certo

A coluna identificou errado, semana passada, o cargo que Nelson Martins ocupava no governo Camilo Santana até se desincompatibilizar, dia 4: falou-se em Casa Civil, quando, na verdade, ele ocupava a Assessoria de Relações Institucionais.

A palavra e a ação

Foi uma semana especialmente complicada para a política brasileira e, desculpem-se os que gostam do presidente Jair Bolsonaro, alguns até o adoram, mas gravita em torno da figura dele a causa básica da instabilidade reinante. Em tal nível que, muitas vezes, ganham contornos secundários os efeitos diretos da pandemia que nos assola, uma crise sanitária semelhante a poucas que já se viveu ao longo da história.

Algumas das atitudes de Bolsonaro beiram o estágio do crime, como se deu na noite de quinta-feira ao incentivar invasão a hospitais e centros médicos de atendimento para uma espécie de checagem popular das ocupações de leitos e UTIs. O que é isso? Um presidente da República incentivar assim, num português de absoluta clareza, sem floreio ou esforço de dissimulação, uma flagrante ação irregular, incentivando a invasão de áreas nas quais a tranquilidade e a calma são fundamentos básicos!? Onde há gente doente, precisando de atendimento e atenção total, não de balbúrdia, para ficar num termo caro ao governo atual!?

Má orientação que foi obedecida já no dia seguinte por três vereadores de Fortaleza, Márcio Martins, Sargento Reginauro e Julierne Sena. Claro que eles tentam desvincular uma coisa da outra, falam de existir uma decisão judicial que os autoriza a circular pelos hospitais fazendo fotos e colhendo imagens, algo que a prefeitura desconhece e acho difícil que algum magistrado chancele na forma como foi dito, mas é inevitável que as situações conversem entre si.

Os vereadores cumprem o papel que lhes obriga o mandato quando cobram a Prefeitura e fiscalizam com rigor os gastos públicos, especialmente num momento de calamidade, como o atual, em que as regras de controle necessariamente ficam mais frouxas. Porém, o limite que precisam respeitar, também, é o das pessoas que se encontram naqueles ambientes de stress, trabalhando ou internadas, que precisam de paz e tranquilidade para a luta que desenvolvem, heroicamente, para salvar vidas.

As irresponsabilidades na fala do presidente e na ação dos vereadores de Fortaleza fazem parte de uma doença que, é preciso dizer, não foi o novo coronavírus que trouxe até nós. Muito menos deixará de nos atormentar quando, enfim, tivermos a situação controlada
na saúde.

 

Foto do Guálter George

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