Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).
Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).
O contraste entre o sofrimento da população com as fortes chuvas na Bahia e o doce descanso do presidente Bolsonaro talvez produza a imagem simbólica mais clara do triste momento em que nos encontramos. Tem algo de pedagógico, até, nos acontecimentos dos últimos dias de 2021 e destes primeiros de 2022, como ilustração de um quadro absurdo de distanciamento entre o que é realidade nas ruas e aquilo que povoa a mente do nosso mais alto mandatário. Desde que, claro, a sociedade saiba tirar as lições oferecidas.
Sob o ponto de vista humano, de onde seria possível manter a política à distância, é uma situação que apresenta uma pessoa pública incapaz de demonstrar sensibilidade com o drama enfrentado por pessoas que dependem diretamente de suas ações para sofrerem mais ou menos; já no âmbito político, em que a perspectiva humana acaba controlada pelos interesses de uma exploração pessoal que gere apoio e voto, parece claro que Bolsonaro até poderia ganhar alguns pontos de simpatia com um gesto qualquer de solidariedade.
Coisa real, que expresse preocupação verdadeira, não estou falando de pegar um helicóptero, descer numa cidade qualquer entre as atingidas, fazer carreata, gerar imagens para as redes sociais dando ideia de um hipotético apoio das ruas à sua figura e, imediatamente, voltar ao descanso como se tivesse deixado atrás de si o problema solucionado. Isso é politicagem, não política.
Em três anos completados agora na presidência, Jair Bolsonaro adota um comportamento que não encontra paralelo na história do Brasil e talvez não apresente correspondência na literatura política mundial. Nunca, entre nós, alguém com tanta falta de empatia sentou-se naquela cadeira, análise que inclui até os generais turrões que, alguns contra a vontade própria, aparentemente, a ocuparam no triste período da ditadura militar. Pode-se apontar registros ocasionais de impaciência com a missão (eram escolhidos, afinal, não eleitos), pouco trato com as nuances políticas que o cargo exige em qualquer circunstância, dificuldade para lidar com falsidades e dissimulações num ambiente de poder em que funcionam como instrumentos de sobrevivência, mas, quando o momento exigia gestos concretos de solidariedade do governante com seu povo, diante de uma catástrofe, eles vinham como algo natural. E com a força política que a situação eventualmente exigia.
Uma questão central a discutir sobre as últimas duas semanas é que não se justifica que o presidente da República decida se autoconceder folga absoluta, mesmo que não houvesse a tragédia da Bahia a chamá-lo de volta ao trabalho quase todos os dias durante o período. O cenário geral é de muitos problemas e desafios, a pandemia segue a exigir atenção e medidas, uma nova onda de contaminações pela covid-19 nos ameaça, a economia acumula indicadores ruins e que induzem a um quadro difícil para os próximos meses, sem contar as situações imprevisíveis, como este ambiente de destruição resultante das chuvas que desabrigam e matam brasileiros em vários estados. A Bahia é apenas a parte cruel e destacada de um retrato, infelizmente, muito mais amplo.
É política e ideologia o tempo todo, uma coisa que dói na alma de quem ainda consegue ter algum sentimento e que já cansa, inclusive, quem lhe fazia adoração até ontem. E, por favor, voltando à aflição do povo baiano, não se discute aqui a presença de ministros e de representantes da administração federal nos esforços de assistência àquele gente sofrida, pobre em sua amplíssima maioria. Claro que lá estão equipes de Brasília, claro que recursos liberados por iniciativa do Palácio do Planalto têm sido utilizados na ajuda às vítimas, até porque nos faltava apenas que o presidente, além de dar as costas ao drama para continuar sua farra de final do ano entre os litorais paulista e catarinense, ainda impedisse que instâncias do seu governo cumprissem aquilo que é parte obrigatória e intransferível de suas tarefas. Afinal, pelo menos até o último dia de 2022, cabe a Jair Bolsonaro liderar o País diante de qualquer tragédia que o atinja e, deveria saber ele, não se faz isso passeando de jet ski com a mulher e a filha na garupa ou dançando funk misógino na lancha luxuosa de amigos.
A coluna procurou dez personalidades da vida pública local, algumas até de peso nacional, para sugerir-lhes um exercício: elaborar a manchete que melhor sintetizasse o ano de 2021, recém-findo, deixando-os à vontade para adotar a linha que cada um entenda conveniente. Poderia ser um tema da realidade, algo sonhado, um fato muito específico, uma meta que se busca, enfim, aquilo que simbolizasse uma síntese do que foi o ano ou do que poderia ter sido. Apenas dois não embarcaram na brincadeira, apesar de uma sinalização inicial positiva. Façam suas leituras de cada opção, porque a minha já segue junto:
Camilo Santana
O governador propôs uma manchete em cima do que teria sido o ano ideal, para ele e para todos. É uma forma, que considero válida, de se olhar para atrás. Afinal, diz o poeta, sonhar não custa nada
Tasso Jereissati
O senador tucano cearense, que integrou a CPI da Covid, centrou foco no tema que é sua prioridade na agenda do Congresso desde quando, praticamente, a pandemia surgiu. E, com certeza, o que mais afetou a vida de todos
Eduardo Girão
O senador do Podemos, que também integrou a CPI da Covid mas é crítico dos seus resultados, opta por um dado dramático da realidade local para atacar o governo do Ceará. Ao qual faz oposição firme e incisiva
Roberto Cláudio
Nome mais forte no PDT para disputar o governo, em processo interno do qual participa, o ex-prefeito de Fortaleza mira o governo Bolsonaro e, com isso, espera atingir seus potenciais adversários em 2022
Capitão Wagner
Pré-candidato ao Governo do Ceará, o deputado federal, hoje no Pros, dá manchete a um texto imaginário sobre o que considera ano positivo ao projeto eleitoral que traçou para 2022. Após visitar 120 municípios entre março e setembro, ele diz que o cenário parece especialmente mudado, em seu favor, no Interior.
José Sarto
Na mesma linha do governador, o prefeito de Fortaleza constrói uma manchete sobre seu primeiro ano de gestão que tem mais a ver com o que ele gostaria do que com aquilo que aconteceu. Infelizmente, para ele e para nós
Erinaldo Dantas
O tema da vacina, com um viés crítico ao comportamento geral do governo Bolsonaro, foi o escolhido pelo presidente da OAB-CE, reeleito na reta final de 2012 para novo mandato de três anos
Evandro Leitão
O deputado, que comanda a Assembleia, foi buscar um tema de sua política interna que acredita ter repercussão nas ruas para apresentar a síntese do que foi o ano. É outra maneira de enxergar 2021 e tem a ver com sua condição de pré-candidato ao governo, também
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