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A barbárie no Rio de Janeiro, uma questão de inteligência
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Colunista de política, Gualter George é editor-executivo do O POVO desde 2007 e comentarista da rádio O POVO/CBN. No O POVO, já foi editor-executivo de Economia e ombudsman. Também foi diretor de Redação do jornal O Dia (Teresina).

A barbárie no Rio de Janeiro, uma questão de inteligência

O governador Cláudio Castro, com o peso simbólico e institucional que carrega, não pode decretar que as únicas vítimas reais do que aconteceu, entre os mais de 100 mortos, são os policiais que perderam a vida nos enfrentamentos. O caos da operação aumenta o risco de gente inocentena lista de quem é dado como criminoso
A pedido dos familiares, os corpos de mortos durante operação policial no Rio de Janeiro foram expostos para registro da imprensa, e depois foram cobertos com lençóis (Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP)
Foto: PABLO PORCIUNCULA / AFP A pedido dos familiares, os corpos de mortos durante operação policial no Rio de Janeiro foram expostos para registro da imprensa, e depois foram cobertos com lençóis

O governador Cláudio Castro (PL) errou ao autorizar a desastrosa operação desta terça-feira no Rio de Janeiro diante de todas evidências de que a tendência de tragédia era inevitável. Erra mais ainda quando, 24 horas depois, insiste em torturar a realidade e usar o termo "sucesso" para referir-se ao saldo final resultante, ignorando o desastre que representa, em si, as quase 120 mortes oficialmente confirmadas. O número deveria ser o bastante para espantar a sociedade e constranger as autoridades.

Dizer que houve inteligência na ação, como têm feito Castro e seus auxiliares da área de segurança, é outra forma de agredir, nesse caso sim, a inteligência alheia. Parece que se acreditou na ideia de que a mobilização anunciada de 2 mil e 500 agentes de segurança e uma aparente carta branca que receberam para usar a violência sem pudor bastariam para gerar uma sensação de êxito quanto a uma missão que, repita-se, tem seu fracasso exposto na quantidade de gente que, nos dois lados, perdeu a vida.

A coisa chegou ao nível da falta de responsabilidade quando as imagens que a operação deixou atrás de si indicam um quadro de barbárie. Filas de corpos estendidos em áreas de uma cidade que encanta o mundo por suas belezas naturais, alguns deles resgatados pela própria comunidade diante do interesse menor pela situação dos que representam o Estado.

O governador, que tem entre suas atribuições zelar pela imagem do Rio de Janeiro, precisaria considerar o efeito que toda a confusão criada terá sobre a própria economia local, tratando-se de uma cidade e um estado com uma marca turística que a imagem de sangue costuma manchar. Será difícil evitar o impacto negativo do que percorreu a mídia global nas últimas horas como registro do que houve no Rio.

Claro que não se tem como alternativa esperar das autoridades que cruzem os braços e deixem a criminalidade, organizada ou não, tomar de conta. Combater as tais facções é obrigação de quem governa o Rio, e o Brasil, mas não dessa forma.

Infelizmente, as declarações até agora disponíveis indicam que os envolvidos não pretendem dar o braço a torcer e insistirão no entendimento equivocado de que a violência do Estado, ao arrepio da lei em várias situações, deve funcionar como resposta ao crime e aos criminosos. É o limite da legalidade e o respeito a ela que diferenciam um do outro, ou, pelo menos, que deveriam.

O governador, com o peso simbólico e institucional que carrega, poderia ser mais cuidadoso nas declarações e, por exemplo, evitar conclusões precipitadas como quando decreta que as únicas vítimas reais do que aconteceu, entre os mais de 100 mortos, são os policiais que perderam a vida nos enfrentamentos. A forma atabalhoada e caótica como se deu a operação aumenta bastante o risco de haver gente inocente entre os que tombaram ao ritmo das balas pelo lado dos que não tinham farda e nem insígnia, o que exigiria mais cuidado em falas do tipo.

É um quadro que nos deveria envergonhar a todos. A verdade é que o enfrentamento aberto, que não busca considerar o efeito da ação sobre as comunidades que habitam o entorno dos territórios hoje controlados pelas facções e o crime, mostra sua ineficácia a cada episódio em que se repete como padrão de combate a uma situação realmente ruim no campo da segurança pública.

Como nunca havíamos empilhado tantos mortos de uma só vez, talvez agora, baixada a poeira, se faça o debate necessário acerca do caminho correto para transformar uma realidade que, sim, é insustentável. Um objetivo que exige, para ser alcançado, de uso da inteligência como instrumento de controle da força, abrindo mão do espetáculo e priorizando o resultado. No melhor sentido do termo.

Foto do Guálter George

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