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Esperança é reconhecida como primeira advogada do Brasil
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Esperança é reconhecida como primeira advogada do Brasil

Negra, escravizada, viveu Esperança Garcia em terras de propriedade dos jesuítas, ali pelos idos da segunda metade do século XVIII, numa área onde hoje se situam os estados do Piauí e Maranhão
Tipo Opinião

Sempre me bati, em todos os meus anos de militância na política da Ordem dos Advogados do Brasil, pela necessidade de recuperação da história da advocacia em nosso país. E o tenho feito por acreditar que as páginas belíssimas de luta pela afirmação de direitos e resistência escritas pela advocacia brasileira ao longo dos séculos haverão de servir de fonte de inspiração para as atuais gerações de advogadas e advogados e a tantos quantos fazem da busca pela justiça profissão e ideal de vida.

Vivi, no último dia 25 de novembro, mês da consciência negra - a referência ao mês de novembro remete ao 20 de novembro de 1695, data do assassínio de Zumbi, lendário líder do Quilombo do Palmares - um dos momentos mais emocionantes de minha trajetória profissional. À unanimidade de sua composição plena, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, sob a presidência do colega Beto Simonetti, reconheceu oficialmente Esperança Garcia como a primeira advogada brasileira. Sua história, ainda pouco conhecida, merece ser contada.

Negra, escravizada, viveu Esperança Garcia em terras de propriedade dos jesuítas, ali pelos idos da segunda metade do século XVIII, onde hoje se situam os estados do Piauí e Maranhão. Com a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil por decisão do primeiro-ministro do reino de Portugal, o Marquês de Pombal, as terras passaram a compor a Fazenda Real. Sob a administração do estado português a exploração da mão de obra escravizada se deu de forma ainda mais cruel.

Encontrada nos arquivos públicos do estado do Piauí pelo antropólogo Luiz Mott no ano de 1979, há carta redigida por Esperança Garcia, em forma de petição, ao presidente da então província de São José do Piauí, Gonçalo Lourenço Botelho de Castro, em que pugna pelo seu retorno à Fazenda Algodões, de onde foi retirada para servir como cozinheira do novo administrador, um certo capitão Antônio Vieira do Couto, denuncia maus tratos sofridos por si e seus filhos e reclama da privação de serviços religiosos, sonegados a ela e a companheiras de infortúnio. A carta é datada de 6 de setembro de 1770, e havida como o mais antigo requerimento da lavra de uma pessoa escravizada em defesa de direitos, endereçada a uma autoridade, de que se tem notícia.

O processo no âmbito do sistema OAB que culminou com o reconhecimento de Esperança Garcia foi fruto de uma articulação das advogadas Daniela Borges, hoje presidente da seção baiana da OAB, à época presidente da Comissão Nacional da Mulher Advogada, e Silvia Cerqueira, presidente à época da Comissão Nacional de Promoção da Igualdade, abraçada a iniciativa pelas presidentes atuais dessas comissões, Cristiane Damasceno e Alessandra Benedito. Registre-se que já em 2017, a seccional da OAB Piauí já havia reconhecido Esperança Garcia como a primeira advogada daquele estado, iniciativa empreendida pela advogada Maria Sueli Rodrigues de Sousa.

Em tempo: embora os registros historiográficos sejam escassos, consta que Esperança Garcia teve seu pleito atendido, voltando para a Fazenda Algodões e para junto de seu marido Ignacio e filhos.

 

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