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Diário de uma curta viagem
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Advogado, pós-graduado em Processo Penal e mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor). É professor do Centro Universitário Estácio/Ceará e da Universidade Sete de Setembro (Uni7). Fundador do escritório Hélio Leitão e Pragmácio Advogados

Diário de uma curta viagem

Icó reivindica para si o mérito de haver sido a primeira província do Ceará a libertar os escravos, antes mesmo de Redenção, cidade que leva a boa fama libertária de ter se antecipado à princesa Isabel e sua Lei Áurea. Não serei eu a arbitrar tão renhida disputa
Tipo Opinião

Em janeiro último, cumprindo intensa agenda da OAB, estive em algumas cidades da zona central e sul do estado, participando de atividades institucionais em Icó, Orós, Juazeiro do Norte e Crato. O que era para ser apenas mais uma viagem entre tantas que fiz pelo interior do estado no curso de minha já longa trajetória na política de classe, acabou por se transmudar no mais autêntico deslumbramento.

Sim, nascido, batizado e crismado em Fortaleza, não conhecia ainda a cidade de Icó. Fui levado a conhecer, pelas mãos (e pés, pois a caminhada foi longa, sob um sol escaldante) dos amigos e colegas advogados Kleber Colares e Fabrício Moreira da Costa, ambos icoenses orgulhosos de suas raízes), um pouco de sua história, patrimônio arquitetônico, cultura e tradições.

De saída me impressionou vivamente a imponência e o bom estado de conservação de seu casario - edificações que remontam aos séculos XVIII e XIX e cujo estilo arquitetural reflete muito claramente as modas e a estética dominantes na Europa daquele então.

A Casa de Câmara e Cadeia, muito bem preservada, herança dos tempos coloniais, quando se tinha em funcionamento simultâneo, no mesmo prédio (muita vez a única representação da administração pública), os poderes legislativo e judiciário municipais. Nos altos davam-se as sessões da Câmara e os julgamentos, ao rés do chão estava a masmorra, para onde eram mandados os condenados. Há quem diga que remonta a esses tempos o emprego da expressão "descer para a cadeia", ainda agora largamente utilizada.

Fascinou-me a saga e o legado do médico Pierre François Théberge e sua esposa, a pianista Marie Elise-Soulé Théberge, que deixaram sua França natal para, nos anos 1848, dar com os costados na Ribeira dos Icós, como era o seu nome, e ali, com sua erudição e hábitos intelectuais sofisticados, mudar a feição da cidade e os costumes de sua gente.

Para ficarmos em apenas um de seus inúmeros feitos, talvez o mais lembrado, tem-se que o doutor Pedro Théberge, como cedo o povo passou a lhe chamar, ainda nos anos 1860, edificou e deu vida ao Teatro da Ribeira dos Icós, primeiro do Ceará, em operação até os dias de hoje, despertando o gosto das artes cênicas e das apresentações musicais em pleno sertão. Em 1862 o prédio fez as vezes de hospital, quando se abatera sobre a cidade a epidemia do cólera, que vitimou cerca de um terço de sua população.

Homem dado às letras, é dele uma das primeiras obras da nossa historiografia -"Esboço Histórico da Província do Ceará". De variados dotes, desenhou a primeira "Carta Corográfica do Siará".

Uma polêmica, das mais graves: Icó reivindica para si o mérito de haver sido a primeira província do Ceará a libertar os escravos, antes mesmo de Redenção, cidade que leva a boa fama libertária de ter se antecipado à princesa Isabel e sua Lei Áurea. Certo é que não serei eu a arbitrar tão importante e renhida disputa. Igualmente certo é que Icó, e aqui não há controvérsias, por sua beleza de ares senhoriais e generosidade de seus habitantes, continua sendo, não sem razão, a pérola do Vale do Rio Salgado.

 

Foto do Hélio Leitão

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